Elesbão, o jardineiro de Deus.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012


Elesbão sempre teve uma vontade danada de ser jardineiro. Desde pequeno gostava de trabalhar com a terra. Era um exímio oleiro e construtor. Fazia tijolinhos usando o quadriculado das caixinhas de fósforos, construía pequenos castelos com jardins floridos; afundava as mãos no barro, nem sentia a meleca que vinha da terra e nem o calor causticante do sol que lhe queimava as costas franzinas. Quando o tempo era frio, sentia os dedos adormecerem, mas, mesmo assim, se inebriava com os cheiros vindos dos quintais e contemplava cada estação do ano como se fossem uma só, e o mesmo fazia em relação ao sol e a chuva, enquanto o pai lançava sementes no jardim. Regava-as nas horas apropriadas. Ele conversava com as plantas, suas mãos eram pura magia e bastava encostar os dedos para elas nascerem vistosas. E pacientemente esperava a lenta maturação da vida... E cultivar flores era seu sonho. E Elesbão, com os olhos vidrados no trabalho, com os dedos em riste apontava para o seu pai e dizia: Um dia serei jardineiro como o senhor e para o Senhor!

Sem dúvida que ele seria um bom jardineiro, nascera e crescera ajudando a manusear aquele imenso jardim. Suas mãos sabiam massagear o barro e separar a terra preta, boa para o plantio. Sabia admirar as plantas que se erguiam do solo e produziam botões que se abriam em pétalas de diferentes cores e tonalidades, mas, também, entendia que se não fossem regadas diariamente, murchariam, secariam e os caules dobrariam sobre a grama inerte. Como bom observador sentia a voluptuosidade com que elas buscavam o céu azul, a luz solar e o ar livre, e depois, se não regadas, curvariam encarquilhadas sobre o chão, morreriam e cairiam no esquecimento. Mas, mesmo assim, deixariam sobre a terra as sementes, que cedo ou tarde, haveriam de romper a superfície e se reerguerem para a vida.

Mas, o pai de Elesbão, o cultivador de flores, lhe transmitia outros segredos. Sabia que cada uma delas era única, incomparável e insubstituível. Inútil perguntar a ele qual a mais bonita, a mais sedutora, a mais cheirosa. Todas o são, embora distintas. Ou melhor, todas são belas justamente porque distintas! É a diversidade de formas e aromas, cores e tons que torna encantado o jardim e o senhor do jardim sabe, ainda, que cultivar flores não é tomar posse delas. Aprende-se que somente há de colher as flores que cultiva com o toque mágico de suas mãos, rudes e ternas a um só tempo. O bom jardineiro rega com as lágrimas, colhe com o olhar, acalenta-as com a voz, com o deslumbramento da alma, pois, prendê-las, simplesmente seria uma forma de condená-las à morte.

Unidas ao sorriso de Elesbão diante de seu pequeno castelo, ao monte de terra boa, fertilizada, ao murmúrio ou ao rugido da água, à luz longínqua das estrelas, ao sol e a lua que chegam ou que partem ao olhar de quem ama ou à lágrima de quem ainda é capaz de chorar, aos corações sedentos de justiça ou às mãos que combatem pelos direitos humanos - as flores integram a grande orquestra da criação. Instrumentos distintos, que tocam notas diferentes, mas exprimem a beleza de uma sinfonia comum.

Elesbão realmente cresceu junto a aquele jardim. Ajudou a plantar, zelou e viu flores crescerem, murcharem, secarem-se. Mas, certo dia ao enfiar as mãos debaixo de um feixe de galhos podados já ressequidos de um roseiral foi picado por uma cascavel. Estava só naquele instante, não foi socorrido e nem houve tempo de lhe aplicar o antídoto. Quedou-se diante do mundo colorido em que vivia, morrendo no limiar daquele dia. De repente, como por encanto, sentiu seu corpo subir ao céu e diminutamente via as flores desaparecendo diante dos seus olhos e nem compreendia o que estava acontecendo. Montou num cavalo alado e este começou a galopar sobre as nuvens brancas e uma paz incomum abateu-lhe sobre o peito, enquanto o céu escurecia e milhares de meteoritos passavam como que querendo saudá-lo naquele espaço sem fim. Um túnel iluminado em forma de cone se abriu e logo desceu sobre um imenso jardim cheio de flores variadas. Ao tocá-las com as mãos sentia que elas nem precisavam de jardineiro e um sorriso alargou em seu rosto e o seu coração ficou em júbilo. Ainda atônito, percebeu alguma coisa à sua frente, alguém sentado numa pequena nuvem branca, cercado de uma luminosidade que lhe ofuscava olhos. Era a oportunidade de perguntar e saber quem era o dono daquele lugar aprazível, encantador. Nem foi preciso. Uma voz branda, que lhe causou arrepios, disse-lhe: Elesbão meu filho, a partir de hoje você cuidarás do paraíso! A única palavra que saiu de sua boca foi: Sim Senhor! E logo apareceu do lado direito um imenso castelo, o mesmo que construíra usando pequenos tijolinhos feitos de caixinhas de fósforos. 

Na sua simplicidade, nem poderia entender que a sua frente estava à imagem de Deus. O trono de nuvens era apenas o retrato humanizado do pensamento de uma época que Elesbão sequer chegou a conhecer, pois sempre vivera tomando conta de um jardim, fato que faço questão de citar neste artigo para que cada um leve em conta e faça uma reflexão mais profunda sobre o nosso Pai celestial. Ele é o amor infinito, a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas, é aquele que não tem começo nem fim, e não pode ser conhecido através dos esforços intelectuais de uma mente humana que, por mais avançada ou capaz que for, está sujeita a limitações. Deus, portanto, é uma força que não pode ser analisada ou mensurada, só podendo ser sentida e contemplada através daqueles que têm coração puro. 

Como parte final, quero sublinhar, talvez em forma de parábolas, a lição deixada por Elesbão: plante, regue e cuide de sua da flor, porque é bela, fugaz e frágil, porque ela é como a luz que brilha e se apaga, porque ela é como a noite ou o dia, que se revela e se esconde, porque ela é como as estrelas que aparecem e desaparecem com o nascer e o pôr do sol, porque elas à noite se acendem para tirar o medo que ela tem da escuridão, ou ela é como você que se oculta para estimular a busca e nutrir um amor fiel e persistente como o deixado por Elesbão, o jardineiro de Deus.

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