Deixando o vento me levar...

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Se na infância fui ou não como outros meninos, não me lembro bem, minha memória é meia vaga, mas sei que nunca enxergava o mundo como os outros viam, mas os outros também não enxergavam o que eu via. Desde pequeno eu já via o bonito e o lado poético das coisas, assim como via quando o vento que soprava ou assoviada; sabia que rumo tomava e a suavidade com que levava consigo as folhas secas para, depois, sairmos voando, sem rumo. Nada mais triste era levar comigo folhas mortas e saber que mais adiante poderíamos nos separar dada a força do vento e a fragilidade delas. Quanta vez amparando minhas mãos no pequeno muro daquele quintal, com o olhar entristecido como a de um poeta aprendiz, senti-me como a própria folha, e aí não via à hora do vento passar e quando passava sentia-o triste também, pois não conseguira levar até a janela de minha amada o perfume das ressequidas folhas, o cheiro gostoso de jasmim ou das pétalas das rosas que rolavam pelo chão. Se ela pelos menos pudesse enxergar a folha, ou o meu olhar marejado detrás do muro, perdido no meio dos raios solares que se confundia com as cores, mas bastava um simples gesto dela para me fazer renascer e a vida faria de nós um elo, pois sabia que ainda havia esperança. Esperança em um mundo melhor, mais justo, humano e fraterno, onde, talvez, por descrença, o vento ao passar por algumas estações devia ter ficado angustiado, sentimental e viu que não havia elo nenhum. Talvez entendesse que minhas angústias, paixões e sentimentos não podiam ser levados por ele, apenas eu. Eu apenas para ser mais claro. O vento não tinha culpa.

O vento não tinha culpa e não podia saber a origem de tudo que corroia a nossa alma, e às vezes, não me interessava saber de onde ele vinha, mas quando passava acariciando o meu rosto o meu coração acordava para a alegria. O vento foi meu cúmplice e tudo o que amei, ele sabe que amei sozinho. Sabe fui um sonhador. Assim, na minha infância, nas garras da tormentosa vida, ergui-me, no bem, no mal, de cada abismo, a encadeei-me, o meu mistério. Prendi-me a sete chaves. Aquietei-me num recanto só meu. Às vezes quando deixava o vento me levar sei que vinha recheado de cheiro das verdes matas, que trazia a calmaria dos rios e o canto dos pássaros; sei que se ungia nas fontes da vida e veloz, descia da rubra escarpa da montanha beijando o sol, para depois afagar meu rosto com suavidade, me envolvendo em outonais clarões dourados; livrando-me dos relâmpagos vermelhos que o céu inteiro incendiava; dos trovões, das tempestades, das nuvens que se alternavam e traziam escuridão. Só no amplo azul do céu puríssimo, como a um anjo e ante meus olhos, levava em seu colo a pequena folha seca e as pétalas de rosas que se desalinhavam no chão. Folhas caídas e pétalas, mas que conhecem todas as estações da vida e os motivos que as fazem ficarem assim, mortas, jogadas, espalhadas pelos terrenos férteis e inférteis, simplesmente ao léu, pisadas por pés apressados e levadas por ventos que não eram os meus. Ficava entristecido a cada estação do ano, e não suportava ver a manhã seguinte, quando não via as folhas, pétalas sobre as calçadas, jardins floridos e sem saber para onde teriam ido. Eis a vida, acho que a vida é assim, penso eu, e por isso, mesmo caminhando sóbrio sobre terrenos férteis, entendia que devia deixar o vento me levar também.

Tendo-se razão ou não, assim é na vida. O vento não te levará e nem a sua casa se fores firme e construí-la sobre a rocha; o vento de sua vida será verdejante como a uma densa mata; o vento de sua vida não o sugará da terra se tiveres alicerçado com amor, então, sendo sua vida assim construída, suportará não somente o vento manso, mas também os vendavais, ventanias, tempestades, que poderá até balançar sua estrutura, mas se sua vida for bem regrada não será fácil você cair, sentir o impacto, e não se desmanchará em pó tão facilmente. Podem vir primaveras, verões, outonos e invernos, mas se os homens tornarem-se apenas folhas aí sim deverá temer qualquer ventinho que não tardarão chegar. Assim é a vida..., mas nos anos que virão entendo que não será tão necessário renovar apenas guarda-roupas ou comprar veículo novo, mas sim, deixar que o vento nos leve para renovar o nosso espírito e ampliar a nossa fé em Cristo; deixar que ele nos ensine a dar uma faxina em nossas vidas; deixar que possa revermos tudo que aconteceu de ruim e anotarmos na agenda de nossa existência, as palavras amor, paz, fraternidade, solidariedade e justiça para que tudo possa, daqui por diante, ser diferente. 

Vaidoso, sou, mas não sou egoísta, nem prepotente ou arrogante e no passo da fuligem, da folha seca, de algo quase inexistente, tomo o meu destino e procuro ser humilde. Absolutamente humilde. Sabes por quê? Explico: Porque sei que sou a folha que voa mansa amparada pelo vento; porque não sei quantas primaveras, verões, outonos, invernos terei; quanta tarde passarei no jardim de minha existência; quanta força advinda de vento poderia suportar. Resta-me então pedir ao meu Pai Celestial que jamais deixe a janela do universo fechada para mim. Pode acontecer que as folhas, as pétalas, assim como eu, percamos nossas forças numa manhã ou tarde e quando chegar ao entardecer não estarmos todos caídos enfeitando o leito. Estranho é vermos o tempo passar, trazer o entardecer e não ser compreendido que havia um sentimento profundo entre eles e que o trem da ventania poderia levá-la intempestivamente junto com aquelas passageiras estendidas no meio desse tempo. Você, caro leitor, um dia, também será passageiro desse trem ventania e pelo ar será levado em direção à rua onde mora sua amada, mas como não terás destino, quem sabe se o vento se perde na curva e o arremessará fazendo-o entrar por outra janela, vê-la no seu quarto, deleitando-se na cama.

E quando você chegar e antes de apreciar a lua, contar as estrelas e sonhar com os mistérios da noite, certamente ficará observando a sua amada e assim como eu começará a escrever alguma coisa numa pequena folha de papel. Talvez escreva: Ah, se pudesse ser levado ao vento igual às folhas e pétalas, então meu destino seria igual a elas, que são apenas folhas ao vento, mas no nosso mundo imaginário sabemos que são apenas folhas, mas amadas pelo vento. E eu usando as asas de minha imaginação estarei bem ao lado da janela, voando baixo, esperando que ela me veja, me segure, me carregue, me aconchegue em seu colo, para depois, me guardar dentro do seu diário, como uma folha que não precisa de vento.




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