Depois de uma extenuante
caminhada no calçadão do Parque Vaca Brava, dividindo espaços com a
luminosidade da lua nova e as sombras, cheguei à minha casa com as pernas
doídas, mas feliz. Cansado, encostei-me sobre a cama e estiquei o corpo para
trás. Na maciez do travesseiro, fechei os olhos e para pegar no sono, comecei a
contar carneirinhos, mas, desta vez, de tão cansado, nem cheguei até cem, dormi
profundamente. De repente vi muito dinheiro voando diante de meus olhos, mas eram
apenas notas de dois reais, e logo, diante de um enorme espelho, vi que estava
usando uma calça jeans, camisa branca social e uma gravata desbotada, e com
toda aquela elegância, descobri que não era rico, morava numa casa cheia de
rachaduras que tinha adquirido do programa “Minha Casa Minha Vida”. O espelho
mostrava ainda um nariz desproporcional, como o do Pinóquio e também que eu era
caolho. Pensei: Meu Deus! O que aconteceu comigo! Procurei freneticamente na
escrivaninha a minha carteira de identidade para verificar se era daquele
jeito, no entanto, achei somente o velho passaporte e naquele documento
descobri que não era eu e nem era goiano. Lá constava que era nascido na cidade
de Garanhuns em Pernambuco. Continuando com o rosto voltado para o espelho, também
observei que já ele estava carcomido pelo tempo e me via inconsolável em uma
cadeira de rodas. Exclamei de novo: Meu Deus, isso não é possível! Se eu estava
com tanto pés de galinhas no rosto e numa cadeira de rodas, significava
que além de velho, pobre, nariz grande, caolho e nordestino, era também
deficiente físico. Claro que era impossível, dizia para mim mesmo: Poxa!
Além de velho, pobre, caolho, deficiente físico, não era goiano e ainda era ligado
a uma facção criminosa brasileira chamada de “Mensaleiros”, tudo graças a
um recorte de jornal que encontrei na gaveta. Na foto, lá estavam eu junto com
José Genoíno, Paulo e José Dirceu e outros.
Noutra foto, uma edição mais recente de outro jornal, exposto sobre a
escrivaninha, foi mais incomodativo ainda, pois vi a figura do ilustre Ministro
Joaquim Barbosa do STF com o dedo em riste para mim, dizendo: Você está preso! Fiquei
assustado, é claro, pois no texto escrito em letras garrafais, dizia que eu
fazia parte do Conselho da Petrobrás e era responsável direto pela negociação
de Pasadena – Califórnia. Na foto estampada no jornal a Dilma dava gargalhada e
às suas costas, uma foto do Lula pendurada na parede entre Chaves e Fidel
Castro. Aquela cena foi demais para mim.
Passados
alguns segundos, apareceu um homem vestido de jaleco branco e me perguntou com
uma voz meio enrolada: Buenas tarde senhor! Já tomou remédio para diabetes,
depressione e hipertensione? Aqui está o seu resultado do exame de PSA? Era a
voz de um médico cubano. Vixe! Só me faltava essa! E com a voz embargada disse:
- Ó Deus! Pobre, caolho, saber que não era goiano e ainda, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, com diabete, depressivo, hipertenso, com problema de próstata e paciente de um médico cubano, sussurrei: Agora estou frito de vez!
Desesperado, gritei diante do espelho, passei a mão sobre a cabeça e tive outra surpresa: Era careca! Alguém tocou a campaninha. Era um homem gordinho, engravatado e com uma pasta preta debaixo do braço, que antes de entrar na sala foi logo dizendo:
- Vim te avisar que o seu cadastro para adquirir ingressos não foi aprovado porque o seu perfil não possui o padrão FIFA, então, não vai poder assistir ao jogo que será realizado em Brasília, e ainda por cima, você está desempregado. Estupefato, fiquei olhando aquela figura bizarra e pasmem: era o Presidente da FIFA Joseph Blatter.
Que
merda! Além de não poder assistir o jogo descobri que também estava
desempregado. Tentei explicar a aquele senhor o quanto era difícil encontrar
trabalho no Brasil, principalmente quando se é velho, pobre, nariz grande,
caolho, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, com problemas de
diabete, depressão, hipertensão, próstata alterada, paciente de médico cubano, careca,
banguela, viciado e gago. Chateado com aquela figura metida, tentei fechar a
porta com a única mão, pois a outra tinha sido decepada quando tentei ser aprendiz
de torneiro mecânico e bastante contrariado, fui até a janela olhar a paisagem
e vi centenas de barracos ao meu redor. Senti uma pequena parada
no marca-passo e uma leve tontura, pensei: Poxa! Além de velho, pobre, nariz
grande, caolho, não ser goiano, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente
físico, diabético, depressivo, hipertenso, próstata alterada, paciente de
médico cubano, careca, banguela, gago, maneta, cardíaco, com labirintite, desempregado
e sem ingresso para a Copa descobri também que era favelado...
Comecei a passar mal e sentir calafrios, situação que me obrigou a ir até ao guarda-roupa para pegar uma camisa para trocar e novamente outra surpresa: quando abri a gaveta encontrei somente uma camisa bastante encardida do Mineiros Esporte Clube. Só podia ser sacanagem! Resmunguei... Entrei em surto, pois além de velho, pobre, nariz grande, caolho, não ser goiano, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, diabético, depressivo, hipertenso, próstata alterada, paciente de médico cubano, careca, banguela, viciado, gago, maneta, cardíaco, com labirintite, desempregado, sem ingresso para o jogo, favelado, ainda era torcedor do time de Mineiros. Aí era demais! Então questionei: Mas se sou torcedor do MEC, então no passaporte não pode constar que eu nasci em Garanhuns?
Naquele momento a minha esposa que já tinha feito um saboroso café da manhã apareceu brava e disse repetidas vezes, e em voz alta:
- Querido!!! Vamos!!!... Acorde! Senão, vamos chegar atrasados na missa
da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus. O Padre Luiz está bravo com a
gente. Comenta-se por lá que estamos sumidos! Cruz credo! Que susto! Com o suor
descendo pelo rosto e meio atordoado, acordei. Levantei-me rapidamente da cama,
olhei pelo vão quadriculado da janela do AP e vi que o sol já nascia soberbo no
horizonte, então, naquele instante, percebi que tudo não passara de um sonho e
murmurei dizendo: Graças
a Deus!
Me surpreendo cada vez que leio suas crônicas...Eu diria que isso não foi sonho e sim pesadelo!!! Parabéns amigo !!!
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