Será que você é como eu? Tem dia que mesmo deitado sobre a cama ou
estirado sobre o sofá sinto uma vontade danada de levantar e sair andando sem
rumo, sem norte. A minha vontade vem do nada e teima em não passar, situação
que me deixa confuso, controverso. É como se a minha alma estivesse saindo
sozinha do meu corpo e os olhos, que são sua janela, fixos num ponto qualquer,
também perdidos. Geralmente isso acontece quando alguém de quem ao longo do
tempo até tentamos gostar se aproxima, sem qualquer constrangimento, depois de
ter-nos ferido verbalmente, de viver “pegando no pé” da gente, tentar se
aproximar, na maior “cara de pau”, como se nada tivesse acontecido, e puxar
conversa. Diante desta situação restou-me usar uma espécie de instinto de
sobrevivência, de não querer ser contrariado ou um motivo para não se estressar
com aquelas conversas inúteis e até fúteis. Então, busco fugir em busca do
imprevisível ou finjo de invisível que é a melhor e a única opção para evitar
ouvir qualquer bobagem. No entanto, o problema é quando a gente, apesar de toda
a vontade, de toda a força que imprimimos a nossa alma para acalentar um
coração ferido, não conseguimos dada a frieza e insensibilidade das palavras
nele impregnadas. Apesar também de toda a certeza de que eu não deveria continuar
no mesmo lugar, pois naquele instante me restava apenas uma espécie de
resignação: Sujeitar-me sem conflitos, conformar-me e ficar em silêncio. E o
pior de tudo é ter que permanecer sentado ouvindo as mesmas lorotas, fingir ser
um moço comportado, que entendeu não serem ofensivas as palavras ditas e ainda continuar
atencioso diante de uma agressão sofrida, cuja ferida dificilmente cicatrizará por
mais que eu me esforce.
Sempre engulo seco e me calo. Procuro enviar para
a região recôndita de meu cérebro o imprestável e não me preocupo em
contabilizar os momentos ruins e nem os reclamos enviados porque sei que
existem mentes que não se corrigem com o tempo e nem com o auxílio de
explicações de renomados doutores. No meu caso, nunca entendi ou continuo não entendendo
qual o motivo que aquela pessoa fazia em me criticar, importunar, constranger-me,
não me dar o devido valor, não concordar com alguns projetos ou realizações
minhas, mesmo sendo todos concretizados com sucesso. Desta luta insana para
jamais não ferir meus semelhantes, restou à minha alma e ao meu espírito esquecer
essas famigeradas sofreguidões, e livre como a um pássaro e amparado por almas
generosas, decidi perambular por aí, leve e solto. Resolvi dar a volta por
cima, mesmo sem asas, ver coisas novas, receber novos sorrisos, sorrisos
renovados. Conhecer gente diferente e lugares interessantes. Aprender a viver
com ou sem a presença desse tipo de gente. Viver com intensidade e sem medo de
ser feliz. Sei que ainda é muito cedo para que a minha alma seja condenada a um
único lugar. A alma e corpo parados é sinal de morte, mas eu ainda tenho muitos
anos pela frente e sei que serei obrigado a continuar ouvindo despautérios de
certa pessoa que me abstenho de dizer o nome, fingindo que suas conversas, para
mim sem nexo, são as coisas mais cheias de senso de humor e interessantes que
eu já tenha ouvido.
Desde pequeno aprendi que, por mais que fossem
chatas e me machucassem, as convenções humanas existiam e existem para serem
cumpridas. Sem elas, o mundo não seria mundo. Sem elas, ficaríamos perdidos
entre uma barbárie e outra. Aprendi, mas não me conformei, pois nunca enxerguei
problemas em um mundo sem regras. Nem me considerei um anarquista, pois não sou
de esquerda e nem de direita, sou apenas justo, bom e gosto de fazer justiça e
ver a justiça ser feita. Odeio também a corrupção e essas são algumas das coisas
nefastas que faço questão de serem extirpadas da face da terra. Meus ideais
giram única e exclusivamente em torno da idéia de minha própria liberdade e
maneira de ser. Os outros podem continuar com suas vidas medíocres, seguindo
suas regras medíocres, falando de coisas medíocres, ouvindo músicas medíocres,
mantendo conversas medíocres e incapazes de entender porque pessoas se levantam
e saem andando para evitar conversas chatas e sem sentido. No fundo, por mais que
imagino o contrário de mim mesmo, achava que era um grande egoísta. Tentava
prestar atenção no que os outros falavam, mesmo sabendo que todo o esforço
seria em vão. Para não contrariar ou me tornar indelicado, acenava com a cabeça
em sinal afirmativo ou negativo, seja lá qual fosse à besteira que eu estivesse
ouvindo. Sei que isso não é um truque primário ou mesmo eficiente, mas resolve.
Um simples aceno com a cabeça tem a vantagem de não querer dizer nada, mas dar
ao outro o conforto de que o mesmo está entendendo ou sendo bom ouvinte.
Apesar de todo o inconformismo e nem aceitar
aquelas opiniões contrárias, sentia-me um covarde e fazia questão de continuar
ali, inerte, como “bom ouvinte”. Não sabia lidar com os dedos apontados em
riste, entendia ser constrangedor ou acenos inoperantes que pudessem mostrar no
meu semblante a contrariedade. No fundo, toda a minha revolta não era e não é
por não poder subverter cada uma das regras da humanidade. O que deixava ou me
deixa aflito era e é justamente não conseguir cumpri-las. Ou achar que não
conseguiria. Quero ser como todos os meus amigos e amigas. Quero ser apenas um simples
comediante para fazer a alegria deste povo sofrido ou um ator global para repassar
para encenar no teatro da vida todas essas maledicências, mas sempre reparando
bem que em nossas inconformidades, não se vislumbrará e nem seremos capazes de
observar que o mundo, na maior parte ou em todo o seu tempo, está mostrando
apenas um grande diálogo de surdos, mudos e cegos, incapazes de ver ou
transmitir qualquer sinal que faça sentido ao outro. Mas, quando perceberes
isso, não seja mais feliz ou mais triste do que já és. Talvez, nem valha a pena
perceber, principalmente se sentirmos totalmente inconforme ou tentando fugir
de nós mesmos.
Belíssima e tocante Crônica amigo, Parabéns... És de uma sensibilidade sabedoria admirável.
ResponderExcluir