Sonho ou pesadelo?

domingo, 13 de abril de 2014



Depois de uma extenuante caminhada no calçadão do Parque Vaca Brava, dividindo espaços com a luminosidade da lua nova e as sombras, cheguei à minha casa com as pernas doídas, mas feliz. Cansado, encostei-me sobre a cama e estiquei o corpo para trás. Na maciez do travesseiro, fechei os olhos e para pegar no sono, comecei a contar carneirinhos, mas, desta vez, de tão cansado, nem cheguei até cem, dormi profundamente. De repente vi muito dinheiro voando diante de meus olhos, mas eram apenas notas de dois reais, e logo, diante de um enorme espelho, vi que estava usando uma calça jeans, camisa branca social e uma gravata desbotada, e com toda aquela elegância, descobri que não era rico, morava numa casa cheia de rachaduras que tinha adquirido do programa “Minha Casa Minha Vida”. O espelho mostrava ainda um nariz desproporcional, como o do Pinóquio e também que eu era caolho. Pensei: Meu Deus! O que aconteceu comigo! Procurei freneticamente na escrivaninha a minha carteira de identidade para verificar se era daquele jeito, no entanto, achei somente o velho passaporte e naquele documento descobri que não era eu e nem era goiano. Lá constava que era nascido na cidade de Garanhuns em Pernambuco. Continuando com o rosto voltado para o espelho, também observei que já ele estava carcomido pelo tempo e me via inconsolável em uma cadeira de rodas. Exclamei de novo: Meu Deus, isso não é possível! Se eu estava com tanto pés de galinhas no rosto e numa cadeira de rodas, significava que  além de velho, pobre, nariz grande, caolho e nordestino, era também deficiente físico. Claro que era impossível, dizia para mim mesmo: Poxa!  Além de velho, pobre, caolho, deficiente físico, não era goiano e ainda era ligado a uma facção criminosa brasileira chamada de “Mensaleiros”, tudo graças a um recorte de jornal que encontrei na gaveta. Na foto, lá estavam eu junto com José Genoíno, Paulo e José Dirceu e outros.  Noutra foto, uma edição mais recente de outro jornal, exposto sobre a escrivaninha, foi mais incomodativo ainda, pois vi a figura do ilustre Ministro Joaquim Barbosa do STF com o dedo em riste para mim, dizendo: Você está preso! Fiquei assustado, é claro, pois no texto escrito em letras garrafais, dizia que eu fazia parte do Conselho da Petrobrás e era responsável direto pela negociação de Pasadena – Califórnia. Na foto estampada no jornal a Dilma dava gargalhada e às suas costas, uma foto do Lula pendurada na parede entre Chaves e Fidel Castro. Aquela cena foi demais para mim.

Passados alguns segundos, apareceu um homem vestido de jaleco branco e me perguntou com uma voz meio enrolada: Buenas tarde senhor! Já tomou remédio para diabetes, depressione e hipertensione? Aqui está o seu resultado do exame de PSA? Era a voz de um médico cubano. Vixe! Só me faltava essa! E com a voz embargada disse:
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              
- Ó Deus!  Pobre, caolho, saber que não era goiano e ainda, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, com diabete, depressivo,  hipertenso, com problema de próstata e paciente de um médico cubano, sussurrei: Agora estou frito de vez!

Desesperado, gritei diante do espelho, passei a mão sobre a cabeça e tive outra surpresa: Era careca! Alguém tocou a campaninha. Era um homem gordinho, engravatado e com uma pasta preta debaixo do braço, que antes de entrar na sala foi logo dizendo:

- Vim te avisar que o seu cadastro para adquirir ingressos não foi aprovado porque o seu perfil não possui o padrão FIFA, então, não vai poder assistir ao jogo que será realizado em Brasília, e ainda por cima, você está desempregado. Estupefato, fiquei olhando aquela figura bizarra e pasmem: era o Presidente da FIFA Joseph Blatter.

Que merda! Além de não poder assistir o jogo descobri que também estava desempregado. Tentei explicar a aquele senhor o quanto era difícil encontrar trabalho no Brasil, principalmente quando se é velho, pobre, nariz grande, caolho, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, com problemas de diabete, depressão, hipertensão, próstata alterada, paciente de médico cubano, careca, banguela, viciado e gago. Chateado com aquela figura metida, tentei fechar a porta com a única mão, pois a outra tinha sido decepada quando tentei ser aprendiz de torneiro mecânico e bastante contrariado, fui até a janela olhar a paisagem e vi centenas de barracos ao meu redor. Senti uma pequena parada no marca-passo e uma leve tontura, pensei: Poxa! Além de velho, pobre, nariz grande, caolho, não ser goiano, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, diabético, depressivo, hipertenso, próstata alterada, paciente de médico cubano, careca, banguela, gago, maneta, cardíaco, com labirintite, desempregado e sem ingresso para a Copa descobri também que era favelado...

Comecei a passar mal e sentir calafrios, situação que me obrigou a ir até ao guarda-roupa para pegar uma camisa para trocar e novamente outra surpresa: quando abri a gaveta encontrei somente uma camisa bastante encardida do Mineiros Esporte Clube. Só podia ser sacanagem! Resmunguei... Entrei em surto, pois além de velho, pobre, nariz grande, caolho, não ser goiano, mensaleiro, corrupto, ímprobo, deficiente físico, diabético, depressivo, hipertenso, próstata alterada, paciente de médico cubano, careca, banguela, viciado, gago, maneta, cardíaco, com labirintite, desempregado, sem ingresso para o jogo, favelado, ainda era torcedor do time de Mineiros. Aí era demais! Então questionei: Mas se sou torcedor do MEC, então no passaporte não pode constar que eu nasci em Garanhuns?  

Naquele momento a minha esposa que já tinha feito um saboroso café da manhã apareceu brava e disse repetidas vezes, e em voz alta:
 

- Querido!!!  Vamos!!!... Acorde! Senão, vamos chegar atrasados na missa da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus. O Padre Luiz está bravo com a gente. Comenta-se por lá que estamos sumidos! Cruz credo! Que susto! Com o suor descendo pelo rosto e meio atordoado, acordei. Levantei-me rapidamente da cama, olhei pelo vão quadriculado da janela do AP e vi que o sol já nascia soberbo no horizonte, então, naquele instante, percebi que tudo não passara de um sonho e murmurei dizendo: Graças a Deus!

1 comentários:

  1. Me surpreendo cada vez que leio suas crônicas...Eu diria que isso não foi sonho e sim pesadelo!!! Parabéns amigo !!!

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