À espera de um novo amanhã.

sábado, 10 de maio de 2014


Estupefato diante da televisão, meus olhos só captavam gente sendo mortas de forma covarde, bárbara e estúpida, outras feridas por agressões inexplicáveis. Enquanto as câmaras giravam nervosamente, outras cenas horripilantes iam aparecendo mostrando enxurrada a entulhar esperanças; ouvia gritos alucinados frente à enxurrada de mazelas, e sentado no sofá, inquieto, vivo, nem poder fazer nada, pensei: Estar vivo no mundo de hoje já é milagre e se dermos uma pequena saída do nosso habitat, ficamos sujeitos a assaltos e até perder a vida caso haja reação de nossa parte. Há casos de indivíduos que mal atravessa a porta são contaminados por vírus trazidos pelo vento poluído, outros, recebem uma bala perdida que não sabem de onde veio, e na primeira esquina, sofre um acidente de trânsito, fica deficiente ou perde a própria vida. Pode ser um acaso, uma situação inesperada ou o relógio do destino que parou naquela manhã antes de se recompor naquela manhã.
 
Renascer a cada manhã todos quer. Temer a morte, a segregação do aconchego, o retorno às cavernas uterinas de mães zelosas todos desejam para que possam recomeçar tudo de novo. Mas antes do amanhecer pode ser que o sono venha apagar os sentidos, a consciência, o manuseio das mãos e dificultar ver os olhares afetuosos daqueles que nos cercam. Confiante de que haveremos de acordar no dia seguinte, nem nos preocupamos, pois sabemos que vamos receber o mesmo sol. Todos querem despertar nesse novo amanhã com uma nova visão sobre a vida, na esperança de que sono não traga traumas. Também dessa letargia que nos acossa, desse propósito de inconsistência que nos assalta, dessa lúgubre angústia de um quase-andarilho que, além de quase perder o mapa da vida, quase se perdeu no próprio mapa. Mas, com relação a mim sei que minhas ranhuras brotam delicados sons de um violino tocando músicas de Mozart e Chopin.  Não sou dado ao absinto e sei que a vida nada mais é que uma aposta, por isso, todas as minhas fichas foram postas no tabuleiro dos jogos inúteis dos perdedores. Jogo ao lado deles mesmo sabendo que não é isto que me interessa e também para não contrariá-los, pois sei que ao faminto só o pão lhe interessa. De que valem todos os poderes do mundo se não conseguem encher um prato de comida? De que valem todos os reinos se não plenificam a alma que está sem nenhum gosto? Sendo ambientalista e amante da natureza, não engaiolo os pássaros e nem a sua dor porque os quero vivos, quero vê-los voando em ziguezagues, enrugando ventos, saltitantes entre a plantação de flores que cultivo em meu jardim íntimo. Quero-os gorjeando melodias matutinas em variados sons e cheguem adocicados aos meus ouvidos cansados de ouvir melodias inúteis. Quero-os despertando-me com seu canto, contudo, sem me provocarem a vertigem das alturas.

Quero, a cada manhã, renascer para a vida, desmontar a cidadania inelutável, quero desmitificar a teimosia dos inconformados; extirpar a ociosidade intemporal dos mendigos; orientar as mulheres condenadas a bordar dores incolores, na despossuída humilhação dos que clamam por um pedaço de terra e daqueles que vão às ruas pedir apenas uma casa popular para morar, ou de um direito adquirido gravado na Constituição. Quero que todos tenham acesso à vida e ela seja distribuída fartamente como pão amanteigado, o leite e o café quente da manhã, sem jamais temer as intermitências da morte. Quero um tempo para saborear os livros como saboreamos uma pipoca ao assistirmos a um filme na TV ou num cinema qualquer; quero o meu corpo saciado de apetites, a mente livre de despautérios, o espírito matriculado num corpo de baile palaciano, ao som dos mistérios mais profundo e lá fora, os pássaros orquestrados pela aurora e os cintilantes raios de sol que debruçam sobre os rios desnudados pela transparência das águas, assim como, os pulmões estejam exultantes de ar puro, a boca cheia salivada para saborear a mesa farta de manjares feitos por mãos mágicas de uma deusa vinda de outros mares.

Reparto o meu renascer e a minha manhã com os criadores ou criadoras do amanhã, que nada mais são que dançarinos trôpegos de incertezas, duendes que povoam alucinados meu imaginário, que nada mais são que musas incorrigíveis de meu crochê literário, ou anjos protetores de minha débil fé e magos que revelam o pior de mim mesmo. Neste mundo desencantado, mas não redimido, nele combalido a minha redenção como os antípodas que, diante do espelho da vida, se banqueteavam na tentativa de não continuarem sendo opostos, para, num globo qualquer, esperar esse novo amanhã.

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