Já pensou
se chovesse torrencialmente em Goiânia nesta estação. Ver o frio se misturar
com a água e alagar ruas, avenidas e vê-la sair levando consigo tudo que encontrar
pela frente. A TV mostrando boiando sobre a água, entulhos, sacos de
lixo, latas, garrafas, tocos de cigarro, coco, plásticos e papéis,
protagonizando cenas grotescas de descaso do poder público municipal com
a saúde da população. Outra cena é claro, mais horripilante, veríamos o lixo
misturado com lama deslizar sobre as ruas sem asfalto e na sua jornada final já
cheia de meleca derrubar muros, invadir casas; destruir barracos, calçadas,
asfaltos, praças, carros, motos sem piedade ou dó. O lixão amontoado nas
calçadas e os lixos do lixo lá deixados pelo homem e não recolhidos pela
Prefeitura são levados pelas águas deixando rastros e entupindo bocas de
lobo.
Naquele dia fatídico antes de escurecer vi a lua se despontar no horizonte e clarear o breu que tomava conta daquele bairro, pois a energia elétrica também fora destruída pelo temporal, senti abrirem-se novamente as cortinas do espetáculo. A TV para não perder o pique ou ibope continuava noticiando e mostrando os horrores de uma catástrofe já anunciada por muitos especialistas que emocionou uma cidade inteira. Enfrentando as adversidades do tempo pessoas que perderam seus barracos e até entes queridos que foram levados pela enxurrada, mas ainda cheias de esperança, procuraram alternativa de como reconstruir suas vidas partindo de fragmentos toscos, mas, rígidos e sublimado de um mosaico multicolor. Nas entrevistas, essas pessoas sofridas usando de frases incompletas, intenções escondidas, cuja sorte foi jogada aos astros distraídos que se evaporaram e tentaram fazê-las acreditar que as promessas dos administradores públicos não passaram de um sonho, de um delírio, de um momento de loucura incompreensível, cujas lágrimas delas também foram levadas pelos ventos e despejadas como lixos nas bocas de lobo da vida.
Hoje, após a vitória da Seleção Brasileira e sentado diante da televisão pensei
e repensei sobre inúmeras fórmulas de esquecer o famigerado lixo não recolhido pela
Prefeitura. Tudo o que tinha visto naquele dia e que serviu como exemplo, mas,
preso nas armadilhas do tempo e nos percalços da vida, nunca imaginei que
depois das catástrofes ocorridas durante o período chuvoso, iria ver a
repetição daquelas cenas, mas ainda bem que não choveu porque senão Goiânia
seria transformada num verdadeiro lixão, e o lixo desse lixo: as moscas,
vermes, varejeiras e outros dejetos fedorentos provocariam vários tipos de
doenças e ficaríamos sem flores no nosso trajeto, seríamos dominados por um
entardecer melancólico, cercado de cores escuras, e fantasmas e ruínas não
resistiriam e despencariam céu abaixo. Os que ficaram sem moradia, conta em banco
ou carta de alforria, partiriam rumo incerto, à busca de um mundo talvez incógnito
para suas sobrevivências, mas esperançosos de que, se o dia seguinte não fosse
nascer, ou se não existisse nada para acreditar, ainda assim, como pessoas
humildes, nunca deixariam de ter a certeza de continuar levando junto com os
seus pensamentos as rajadas de vida, como fazem as bocas de lobo (bueiro) para sobreviver
aos lixos do lixo ou como vento faz para beijar a noite escura esperando um
novo amanhecer.
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