O lixo do lixo.

segunda-feira, 16 de junho de 2014



Já pensou se chovesse torrencialmente em Goiânia nesta estação. Ver o frio se misturar com a água e alagar ruas, avenidas e vê-la sair levando consigo tudo que encontrar pela frente.  A TV mostrando boiando sobre a água, entulhos, sacos de lixo, latas, garrafas, tocos de cigarro, coco, plásticos e papéis, protagonizando cenas grotescas de  descaso do poder público municipal com a saúde da população. Outra cena é claro, mais horripilante, veríamos o lixo misturado com lama deslizar sobre as ruas sem asfalto e na sua jornada final já cheia de meleca derrubar muros, invadir casas; destruir barracos, calçadas, asfaltos, praças, carros, motos sem piedade ou dó. O lixão amontoado nas calçadas e os lixos do lixo lá deixados pelo homem e não recolhidos pela Prefeitura são levados pelas águas deixando rastros e entupindo bocas de lobo. 

Hoje ao me lembrar do período chuvoso atentei para o fato o governo também foi negligente e quanta lama invadiu residências, ruas e avenidas. Contabilizei a época as famílias retiradas dos labirintos enlameados, e os políticos insistiam em dizer que a culpa era dos temporais, mas sabemos que tudo não passou de um  devaneio do serviço público em culpar os temporais, ou quando alegava fragilidades ou falta de verba pública, cujas ações e gestos desses governantes foram surpreendidos quando ao olhar para seu próprio umbigo viram aparecer in loco o sofrimento de várias pessoas puxando a lama com rodos e eletrodomésticos destruídos, encobertos por um lamaçal e com lágrimas nos olhos pedirem socorro a elas porque seque tinham para onde ir, mas, tudo fora em vão. Numa esquina, a poucos metros  daquelas residências destruídas  um outdoor dava destaque a uma publicidade colossal do governo municipal falando de urbanização, moradia e melhoria do sistema de escoamento de águas pluviais e esgotos.

Naquele dia fatídico antes de escurecer vi a lua se despontar no horizonte e clarear o breu que tomava conta daquele bairro, pois a energia elétrica também fora destruída pelo temporal, senti abrirem-se novamente as cortinas do espetáculo. A TV para não perder o pique ou ibope continuava noticiando e mostrando os horrores de uma catástrofe já anunciada por muitos especialistas que emocionou uma cidade inteira. Enfrentando as adversidades do tempo pessoas que perderam seus barracos e até entes queridos que foram levados pela enxurrada, mas ainda cheias de esperança, procuraram alternativa de como reconstruir suas vidas  partindo de fragmentos toscos, mas, rígidos e sublimado de um mosaico multicolor. Nas entrevistas, essas pessoas sofridas usando de frases incompletas, intenções escondidas, cuja sorte foi jogada aos astros distraídos que se evaporaram e tentaram fazê-las acreditar que as promessas dos administradores públicos não passaram de um sonho, de um delírio, de um momento de loucura incompreensível, cujas lágrimas delas também  foram  levadas pelos ventos e despejadas como lixos nas bocas de lobo da vida. 

Hoje, após a vitória da Seleção Brasileira e sentado diante da televisão pensei e repensei sobre inúmeras fórmulas de esquecer o famigerado lixo não recolhido pela Prefeitura. Tudo o que tinha visto naquele dia e que serviu como exemplo, mas, preso nas armadilhas do tempo e nos percalços da vida, nunca imaginei que depois das catástrofes ocorridas durante o período chuvoso, iria ver a repetição daquelas cenas, mas ainda bem que não choveu porque senão Goiânia seria transformada num verdadeiro lixão, e o lixo desse lixo: as moscas, vermes, varejeiras e outros dejetos fedorentos provocariam vários tipos de doenças e ficaríamos sem flores no nosso trajeto, seríamos dominados por um entardecer melancólico, cercado de cores escuras, e fantasmas e ruínas não resistiriam e despencariam céu abaixo. Os que ficaram sem moradia, conta em banco ou carta de alforria, partiriam rumo incerto, à busca de um mundo talvez incógnito para suas sobrevivências, mas esperançosos de que, se o dia seguinte não fosse nascer, ou se não existisse nada para acreditar,  ainda assim, como pessoas humildes, nunca deixariam de ter a certeza de continuar levando junto com os seus pensamentos as rajadas de vida, como fazem as bocas de lobo (bueiro) para sobreviver aos lixos do lixo ou como vento faz para beijar a noite escura esperando um novo amanhecer. 


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