Senhores e senhoras: Permitam-me
não revelar a minha idade, pois os cabelos grisalhos já falam por mim. Para se
chegar a ela podem ter a certeza de que foi dura a minha batalha pela
sobrevivência. Foram altos e baixos, mas tudo que aconteceu de bom ou ruim, me
fez crescer profissionalmente, moralmente, espiritualmente e enxergar o mundo
de uma maneira sensata. Acredito que devo ter nascido contra a vontade dos astros
na Fazenda São Domingos dos Olhos D’água, município de Morrinhos conhecida como
a cidade dos pomares, lugar aprazível que eu não vi crescer, pois meu pai João
Vieira, ainda jovem, lá faleceu, obrigando a minha mãe Carolina, que hoje
também se encontra em outra dimensão a nos trazer para Goiânia em busca da tal
sobrevivência. Há mais de 60 anos, ela pegou um pequeno ônibus, à época,
apelidado de “jardineira”, pegando a estrada de chão levando contigo nove
filhos, a maioria de menor idade. Ainda menino, lembro-me vagamente, que naquele
ônibus me sentia amparado pelos seus braços fortes e deixando a cidade de
Morrinhos, veio busca de um novo lar, de uma vida melhor nesta Capital. Pela
estrada de chão, esburacada, o ônibus seguia célere deixando para trás uma
poeira fina que se esparramava com o auxílio do vento, apagando imagens de um
passado como se nela tivesse sido impregnada a borracha do tempo e, lá dentro,
sacudidos pela trepidação, outros passageiros também sonhavam com um mundo
melhor, mas, receosos de não conseguirem alcançar o seu intento seguiam
silenciosos. Pela fresta da janela passava o vento e em seu colo sentia a sua
pureza de mãe, enquanto sua mente contabilizava os quilômetros emplacados
estrada afora, e de forma sutil, seus olhos ainda tinham a sensibilidade de
contemplar a natureza, cujos vales, serras e montes iam passando velozmente à
medida que o veículo seguia rumo a Goiânia. O seu semblante jovem transpirava
dor e saudade de nosso pai, morto de forma trágica, no entanto, mesmo assim,
soube manusear as rédeas do destino, frear e puxar o cabresto que
construiu usando cordas de ternura que acostava aos filhos, para, no momento
certo, poder puxar, exigir ou se recusar, até de forma obstinada, qualquer
coisa que lhe contrariasse ou entristecesse seu coração.
Naquele ônibus, antes de afundar
no seu mar de sonhos sabia que mais adiante, mesmo sem teto, não poderia se
curvar diante das adversidades que surgiriam, pois teria que sustentar e
agasalhar nove filhos, talvez, fazendo faxinas em residências ou
usando os carrinhos de madeira para buscar peças de roupas em bairros
distantes, lavá-las no tanque da integridade e pendurá-las no varal da vida sob
um sol escaldante. Tempo em que talvez não tenha contabilizado; tempo que lhe
consumiu o corpo e fez aparecer os primeiros cabelos brancos
protagonizados por este mesmo tempo.
Ontem, meio acabrunhado em
receber este título hoje, debrucei-me na janela tentando amparar o queixo com
as mãos, para com firmeza, olhar o horizonte poente e poder aguçar os olhos que
naquele instante eram a janela de minha alma que tentavam recuperar tempos
perdidos e a imagem de uma mulher guerreira, que fora levada pelo tempo,
sem motivo, como se fosse uma simples folha seca... Mulheres sem realeza, que à
noite, assim como eu, mesmo com os olhos embaçados, também se debruçam na
janela, sem nada a ouvir, sem expressar sorrisos, e se sentem dominadas por um
exército de gente que não as entendem e nem procuram saber que também sonham.
Quieto naquele quadriculado nostálgico e nem um pouco lúdico, nem vi o tempo
passar quando os meus olhos voltaram a se inclinar novamente sobre a janela da
minha alma e enxergarem a poucos metros dali árvores centenárias também
debruçarem os ramos, assim como, ver transformados os cabelos de minha mãe em
louras mechas e o sol e a lua se porem e nascerem soberbos. Mesmo cansados, sei
que somente queriam é que eu vivesse uma existência efêmera, mas encantada...
Eu procurava entender isso e saber que um dia tudo iria extinguir-se, então,
nada mais me restaria. Todavia, era deslumbrante ver a primavera se antecipar
florindo jardins e os Ipês, cujas flores caíam e deixavam o chão colorido, que
minutos antes, tinha sido molhado por resquícios de gotas de chuva rapidamente
secadas em face escaldante sol que já se despedia detrás da selva de
prédios.
Quando nasci, de forma irônica, a
parteira que me ajudou a vir ao mundo, devia ser uma distraída, mas, de certo
modo, possuidora de um espírito crítico iluminado, pois disse no momento que
nasci que eu era bonitão. Era 03 de fevereiro de 1949. Nascia mais um
aquariano. Cresci sem bolo, sem vela de aniversário, sem pedidos, sem
brinquedos e durante muito tempo o travesseiro foi meu melhor amigo. Ele parecia
triste também. Aprendi a conversar com ele e dizer a verdade. Mentir não é
coisa minha. Sem sono passei muitas noites contando carneirinhos e no mundo dos
sonhos me tornei um dos maiores produtores desses animais, que guardava com
carinho nos currais da vida que construía a cada sonho. Tinha certas noites que
contava de três em três dada à quantidade que se acumulava nas minhas insônias.
Quando conseguia dormir, doía, assim como a vida. Demorei a gostar de viver e
tinha uma tristeza que me visitava até mesmo nos dias de alegria. Por conta
disso, aprendi a sorrir com economia, mas quando me permitia sorrir, sorria com
vontade. E quando meu pai morreu não tinha nem cinco anos de idade e o seu
corpo estirado no chão naquela manhã fatídica diziam que tinha sido eliminado
por um fio de alta tensão. Era pequeno demais para entender aquela cena e
compreensível os fantasmas não me perseguirem e não quererem me adotar. Achei
esquisito como a morte se apresentou para mim pela primeira vez, daquele modo,
ainda criança, de forma tão violenta.
Já em Goiânia, vi o asfalto
chegar tatuando as ruas poeirentas e com pés descalços, gostava de empurrar sobre
elas um carrinho de madeira que carregava esterco, ou uma tabuinha com furinhos
cheios de pirulitos que vendia para ajudar no sustento da família, mas, rindo
como se fosse feliz, como se fosse outro qualquer. Não sei por que, mas o
carinho do vento que cortava as ruas amenizava o meu coração-menino e me
deixava besta. Um ser vivente, livre como a um pássaro e voava em busca do
imaginário, de sonhos talvez impossíveis. Certo dia, cansado das bolinhas de
gude, das fincas, das bolas feitas de meia que recheava de palhas de arroz e de
empinar pipas em dias de vento, arregacei as mangas e fui à luta, tive o meu
primeiro emprego de cobrador, com carteira assinada e a felicidade foi tanta
que chegou ao coração. Achei até que estava doente. Tão desacostumado com a
alegria, chorei de felicidade. Lágrimas doces. Não é coisa de poeta, eram doces
mesmo! Naquele dia até meu travesseiro chorou e molhou o lençol branco onde fiz
questão de derramar junto com as minhas lágrimas, que desciam mansas pela minha
face. Foi a primeira vez que tive uma bicicleta e me senti um “bitelão”.
Mas, antes disso, ainda pequeno,
com uma caixa de engraxar sapatos, comecei a trabalhar. Morava ali no Setor
Ferroviário e quantas vezes passei neste local onde até fiz aqui necessidades
fisiológicas dado ao imenso matagal. Esta Casa de Leis nem existia aqui, ela
estava estabelecida na Av. Goiás, logo acima da Praça do Bandeirante. Toda vez
que passava pelo colchete de arame de minha casa ou na roleta da Estação da Estrada
de Ferro, nem percebia a tristeza fazer sombra no meu sol. Ele, antes de
entregar a noite à lua, me ensinava o valor da liberdade, da honradez e
honestidade. Desde pequeno, era viciado em livros infantis, gibi, revistas em
quadrinhos e em certos momentos eu parecia fugir das galés. Cada remada nas
páginas da vida, mais gibis, mais livros, mais revistas. Em cada um ou uma,
descobria continentes, astros, ídolos, atores, autores, heróis, gentes
diferentes, importantes que me faziam sonhar. Aprendi a conhecer os oceanos, a
amar o mundo e achar atalhos para o coração sem me tornar moleque ou escravo de
ninguém. No meu primeiro livro hoje já corroído pelas intempéries do tempo,
tentei construir nele um sonho, sem saber que tinha, em seguida, outros, que por
mais singelos que foram, sei que ensinaram pessoas a gostarem de leitura e
poesia. Eu gostava e gosto de escrever, divulgar e botar fogo no pavio para
incendiar mentes preguiçosas. E escrevendo achei a fórmula de sonhar, de voltar
a sorrir no lugar que me fazia chorar. Tem dia que tudo é poesia. Engraçado, de
tanto escrever e tentar levar mensagens a cada um, indistintamente, acabo
fazendo essas pessoas felizes. Certo dia estava sorrindo distraidamente e uma
pessoa me perguntou por quê? Naquele dia fiquei sem entender, agora eu sei. O
amor de minha mulher, dos filhos, noras, genro, netos e netas me deixam feliz.
Dificilmente a gente se dá conta do sorriso de uma criança, do voo bisonho de
uma garça ou da graça de uma borboleta, do perfume de uma flor, do canto de um
pássaro, ou do doce de uma fruta; não percebemos a perfeição, o espírito
revolucionário e aventureiro da juventude, quando todas as utopias eram
possíveis assim como a maravilha e o esplendor da criação de Deus.
Durante a
minha caminhada, ao ouvir os desabafos de toda espécie, restou-me
sentir na profundeza da alma que o ser humano está acéfalo e em face dessa
acefalia moral da sociedade tento compreender a minha própria história: eu era
um menino pobre, pés descalços, que percorreu ruas poeirentas e engraxava sapatos
de gente graúda para sobreviver e, nas andanças, procurava buscar aquilo que
muitos não tiveram e foram negados pela sociedade: uma família, um lar, mesmo
humilde, mas de verdade. Naquele casebre, entre os desabafos, senti que a
fome batia à porta do meu estômago e de uma criança vizinha. Ela com
a boca seca, pele encardida, lábios rachados,
desnutrida e o corpo todo reagia conforme as variações da velocidade de um
móvel da unidade do tempo; ela olhava a prateleira e nada via; nada que podia
suprir a dor imposta pela fome. Outro menino, menos franzino, de
olhos castanhos arregalados, saiu para a rua e se encontrou com
outros na mesma situação. Formou-se um bando e a cidade trancou suas
portas com medo do absurdo, esta mesma cidade que viu e vê tudo sem estender
a mão ou as Casa de Leis. composta de vereadores, deputados e senadores que não
legislam a contento para evitar a criminalidade, a violência, a malversação do
dinheiro e dos bens públicos. São público e notório que é por intermédio de
obras públicas que se desenrolam a maior fonte de corrupção no Brasil e é aí
que os políticos eleitos devem ficar atentos e fazer o seu papel de fiscal para
que possam evitar essa prática de desvio de dinheiro público. O que o povo quer
nobres vereadores é que os senhores abram as portas de seus gabinetes, vá às
ruas, fiscalizem, defendam aqueles que os elegeram, levem o amor e dignidade a
eles. Hoje, vivemos numa sociedade cheia de contrastes de certo modo absurdos,
mas que, infelizmente, a gente sabe que é real.
Sei que a felicidade tem dívidas
em relação a mim, por isso não faz mais do que a obrigação de me manter alegre,
satisfeito e ser solidário. Mesmo feliz muitas vezes fico revoltado, mas sei
que isto faz parte do ser humano. Como hoje, onde estou sendo agraciado por
esta Casa Legislativa com o título de Cidadão Goianiense. Sou aquariano e
logicamente faço aniversário em época de calor. Em pleno verão. Por isso careço
do sopro do vento para amenizar a estrada da minha vida e este mesmo vento,
inspiro para dentro do meu peito para abafar o calor do coração. Não sei quem
me disse que estou ficando velho, desconfio que seja o contrário, pois me sinto
apenas mais experiente. Apesar dos cabelos que começam a embranquecer estou
aprendendo a ser jovem, mas quando corro, é claro, não dá para disfarçar que
passei dos sessenta, mas, mesmo assim, quero ter a sabedoria de um ancião, a
maturidade de um adulto, o espírito de um adolescente, ver o mundo com os olhos
de uma criança, ser feliz, rir de tudo e até de mim mesmo.
De vez em quando eu fico rindo
sem saber por que. Um riso espontâneo, sem malícia. Deve ser riso represado.
Agora que acostumei ando esperto, controlo o riso. O destino não é confiável
como não são confiáveis muitas pessoas que recebem nossos risos. Gosto de rir
com amigos e amigas. E falando neles, tenho muitos e a maioria está aqui
presente nesta solenidade. Amigos são pessoas que a gente escolhe para sorrir
com a gente. Pode até chorar, mas tem que rir também. Descobri com o tempo que
amigos amparam, estão com a gente para o que “der e vier”, por isso, queria
agradecê-los por comparecerem na Câmara Municipal de Goiânia, nesta noite do
dia 29 de maio de 2014, onde recebo como muita honra o título de Cidadão
Goianiense aprovado em plenário pelos nobres vereadores, cuja propositura foi
apresentada pelo ilustre vereador Paulino Graus.
Hoje vim preocupado em face da responsabilidade do título que
estou recebendo nesta Casa Legislativa.
Esta preocupação eu destaco, mesmo sendo um missionário, ambientalista,
escritor, poeta, articulista de jornais e revistas, que sempre trabalhou arduamente
em prol da comunidade carente, talvez não merecer tal honraria, mas, enfim,
vocês analisaram a minha biografia e sabem se eu a mereci ou não.
Vou parar por aqui, o texto já está meio sem nexo e um pouco esquisito, pode
ser que quando escrevia algumas penas sapientes tenham se soltado das asas de
minha imaginação, causando estragos às minhas ideias, fato que, talvez, me fez
extrapolar o limite e cansar os ouvidos de vocês vereadores, parentes, amigos e
amigas que me honram com suas presenças.
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