O grito silencioso da mãe natureza.

quarta-feira, 23 de julho de 2014



Quero que fique bem claro que eu não pretendo falar aqui dos oráculos, dos místicos que na trilha do silêncio percorrem a busca de Deus. Nem me interessa neste momento citar poderes mágicos, meditações e seitas. Também não quero questionar aqui, o silêncio, ausência de sons, que podem representar emoções, sentimentos, desagrados ou introspecções. O que escrevo aqui aconteceu numa tarde fria, antes do sol de pôr. E foi naquela tarde que caminhei por uma estrada que serpenteava no meio das plantações de milho ainda com pendo dando, e mais adiante, me embrenhar por entre um canteiro de flores nativas criadas pela própria natureza, todas esparsas, que se alinhava à beira de estrada de chão batido, e no meio do roseiral, um pé de Ipê cujas flores caiam sobre a relva formando um tapete colorido que resistiam as intempéries do tempo. À medida que o Parque das Emas ia se aproximando, observei que a estrada se tornava mais retilínea, deixando de ser monótona. Já se ouvia o canto dos pássaros, um bando de araras que passavam voando alinhadas emitindo gritos roucos, enquanto as emas com suas pernas longas se assustavam com o ronco dos motores saindo em desabaladas carreiras cortando o capim seco que já era visível naquele belo Parque Ambiental.

No silêncio daquelas estradas, em pleno inverno onde a natureza parecia oprimida, alguns animais passavam sorrateiros, uns se arrastavam lentos pelo chão, outros velozes, mas todos com trejeitos e trotões diferentes, sem atitudes repetidas, demonstrando certo medo da presença dos humanos que visitavam o Parque. Alguns animais pereciam ter vindo de uma mata distante, de um brejal, de um buraco, ou das cercanias de uma serra que meus olhos conseguiam ver bem distante. A quantidade de animais solto naquelas pradarias era tanta que me deixava boquiaberto.  Fora do alcance da visão deles tentava interpretar cada ação, cada movimento, porém, era fácil compreender que para eles não existiam dia, noite, sol, frio, ontem ou amanhã, e não eram sonâmbulos, nem robôs. Tinham pernas, braços, corpo cheio de pelos e penas, e nem eram estranhos para nós. Estavam sob a nossa proteção naquele parque de preservação ambiental. Um grito podia ecoar pelos campos e assustá-los ou até para aqueles que viam o ser humano pela primeira vez, mas, por incrível que pareça, alguns animais passavam perto das pessoas se fazendo de surdos e surdos seguiam seus caminhos. Conheciam o seu habitat.

O trânsito de pessoas, pouco a pouco, foi se acumulando e quando cheguei a um cruzamento de estradas vicinais aí vi que a coisa piorou! Não era um estrangulamento qualquer. Era muita gente e esquisitas mesmo! Saíam de todos os lados. Algumas se moviam lentamente, outras paravam, e depois, andavam sem compasso, e preguiçosamente, mais adiante, paravam novamente. Aquilo me deixava atônito. Uns iam e voltavam levando e trazendo nos braços espingardas, machados e motosserras. Outros, com trouxas nas costas seguiam sem rumo naquelas pradarias em busca do improvável. As estradas, ora serpenteadas, ora retilíneas, pareciam ter sido construídas para loucos, mas eu não era louco e o que eu estava fazendo lá? Será que estava sonhando? E era um sonho mesmo, pois acordei em sobressaltos. Então, se tudo eram apenas sonhos o fato é que tive de acalmar meu coração com um gole d’água. E foi aí que me lembrei de minha alma de poeta e dizem que todo poeta tem um pouco de louco, ainda mais quando se procura sinais primaveris em épocas de inverno para captar inspirações para escrever loucuras poéticas. Mas antes que eu acordasse daquele sonho, observei que a impaciência continuava a buzinar no meu ouvido direito e o esquerdo que era mais paciente, nem respondia, mas, as loucuras impacientes entraram em confronto para tumultuar transformando numa zoeira danada, misturando vozes humanas com os sons estridentes de tiros, barulhos de motosserra e berros metálicos que vinham da única mata sobrevivente que se avivou no meu sonho naquela noite fatídica.

Com o coração batendo mais compassadamente levantei-me devagarzinho e me postei diante do monitor. Comecei a escrever, amparado por um silêncio total. Lembrei-me dos momentos em que visitei aquela região onde deparava com imensas queimadas e terras totalmente devastadas pelos arados. Mas hoje, vivendo no mundo real senti a impaciência nervosa e a quase paciente protestarem em conjunto, porque a natureza está em perigo constante. E aí forcei a minha memória e captei de meu subconsciente alguns flashes daquele sonho. Seguidamente vieram as vozes roucas daqueles seres humanos esquisitos, os tiros, golpes de machado e os berros metálicos que se multiplicavam. Parei. Dei uma pausa. Lembrei-me de quando era um menino inocente e sonhador, que criava frases às vezes sem nexo, mas, quando embebido de amor extraído dos quintais cheio de flores e frutos, sequer sabia que existia entre o medo e emoção, o gosto do pecado e a certeza da paixão... No meu recanto nostálgico, eu ouvia às vezes, nas tardes silenciosas, o canto de um Curiango vindo do pé da serra, não tão longínquo que era logo respondido por outro. Ora, o outro, então, era um galo que cantava e a quem logo respondia, como num eco, um cocoricó distante, esganiçado e simpático de um galinho novato e aprendiz, que eu o chamava de Barnabé. E de novo o silêncio caía sobre a gente como um cobertor macio, o cocoricó..., se esticando, se esticando, perdendo-se num adormecer suave e brumoso em que se misturavam a realidade e o sonho. 

Hoje a mãe natureza está triste, já não há mais galos, nem regos d’água para embalar o monjolo, nem bramidos de bois ou latidos de cachorros distantes. Nem há mais quintais e nos campos não nascem flores. Que silêncio! Perdemos a alegria harmoniosa do canto nostálgico dos bem-te-vis, do rouco canto das araras, dos sabiás... E que suavidade e doçura a sua voz me acalentava ao amanhecer. Que despertar festivo e triunfante eles me davam, principalmente naquelas manhãs primaveris. O canto rouco ou nostálgico, não importa de qual ave seja, transcendia o imaginário. Parecia saber colocar cada nota e sabiamente relacionada com outras que repetia com maestria e o eco de sua voz cortava o espaço daquele rincão levando saudades e nostalgia a outros recantos. Notas musicais, uma diferente da outra, tudo em ordem, sem cacofonia, sem igualdade.  E por falar em igualdade, também, conclui-se que os homens são assim. É a desigualdade que permite ordená-los e harmonizá-los. Cada pessoa é como uma pequena nota no concerto da humanidade. Cada nota é necessária e tem uma beleza particular. Por menor que ela seja, por menos que ela dure, coopera para a beleza do concerto. Cada homem, por menor que seja, tem uma beleza própria que lhe advém de ser o que ele é, um reflexo, uma imagem de Deus, diferente dos outros. Cada homem é único e tem em sua alma uma beleza própria. E é com essa beleza pessoal e única que cada um contribui para a beleza maior do conjunto, para o grande concerto da humanidade, que Deus compôs com sábia ordenação, com sapiencial desigualdade. Meu Deus! Tenho que deixar esta estrada que corta o Parque das Emas, que felizmente hoje protege a fauna e flora e me faz recordar de um concerto de outrora que me traz saudade: a voz do galo Barnabé, o canto das seriemas, dos bem-te-vis, dos sabiás e das harmonias do seu canto! E que saudades dos ipês coloridos, das flores que ornamentavam os quintais, das ribanceiras verdejantes e dos campos zelosamente cuidado pelos nossos ancestrais. Quando voltarão a cantar os galos, os bem-te-vis, os sabiás..., e ao anoitecer, o curiango, naquele cerrado íngreme? Quando voltará tudo isso? Quando voltará a se ouvir na terra o concerto humanístico da humanidad

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