O garoto que não driblou a morte

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Diariamente vemos cenas chocantes na televisão. O apresentador, sem pedir licença, entre em nossos lares e vai mostrando cenas de criminalidade que infestam nossas cidades. Debaixo das marquises ou em bancos de praças pouco iluminadas, jovens esquálidos, maltrapilhos, sem rosto, deitam sobre as calçadas, parecendo espectros animalescos possuídos pelo demônio. São cenas horripilantes! Em becos, ou numa rua ou avenida, mais perecem protagonistas de filmes de ficção e nesse palco de horror, uns se arrastam ou cambaleiam pelas calçadas como se fossem répteis, e dominados pelo vício, não respeitam nada que vêem pela frente. Sob o uso da maconha destroem lares, famílias, roubam e até matam seus entes queridos para adquirir a maldita droga. Esses personagens que perambulam pelas calçadas, abandonados pelo setor público, e até pela própria família, não conseguem viver sem ela, perambulam pelas ruas sem rumo certo, como fossem esqueletos humanos, sujos, maltrapilhos e em seus rostos vemos movimentar apenas um infinito de esgares, como se a câmara do olhar estivesse fora de foco para mostrá-los nas tevês, como meros seres anônimos, mortos-vivos, pesos-mortos, e às vezes cobertos por míseros cobertores de lã, ficam encolhidos nos cimentos frios de uma calçada qualquer. As imagens focadas pela TV não mostram esses infelizes colocando um pedaço de pão ou um copo de leite na boca, mas, cachimbos infectos e até latinhas de refrigerantes que eles adaptam para “fumar” maconha. Essa maldita planta, que não cria, não dá, somente tira e mata!

Lembro-me de um garoto extremamente alegre, que mesmo nos campos de futebol de chão batido, fazia a bola rolar com maestria, cadenciava as jogadas para municiar os companheiros e possuía um chute desconcertante, certeiro. Era o artilheiro do time. Menino humilde e mesmo com os pés descalços, sonhava um dia calçar chuteiras coloridas e se tornar um Cristiano Ronaldo, um Lionel Messi, um Neymar... Empreitada difícil considerando esta comparação porque ele não teve berço e nem fora preparado pela sociedade como foram esses atletas e tantos outros; nunca lhe foi exigido assiduidade na escola ou mesmo recebido apoio da família e uma educação religiosa. Ninguém o acompanhava em suas perambulações pelos campinhos poeirentos que se espalhavam pelas periferias da cidade. Faltava-lha o amor, diálogo. Em muitas daquelas praças esportivas as drogas “rolavam” livres e nos becos e lotes baldios garotos e garotas se prostituíam e o pior, as drogas se espalhavam e junto com elas, as mais letais, mais baratas, piores que a naftalina das baratas cascudas, piores do que tomar água suja no leito das calçadas de via pública. Ela se multiplica e transformam esses incautos, não mais apenas pobres, mas todos somente em lixos urbanos, homens-descartáveis, não-recicláveis. Num País como o nosso, onde certas coisas parecem não ter qualquer importância: a dignidade é apenas uma delas. É um confronto difícil e violento sair todo dia às ruas, pior ainda quando se vive numa grande cidade, como a nossa, e pouco se pode fazer. Você dá de cara com crianças vivazes obrigadas a mendigar a pedido dos próprios pais alcoólatras ou viciados. Dá de cara com gente velha, com fome, doente, com feridas pelo corpo, alguns carregando faixas de publicidade no pescoço, outras mutiladas advindas de uma guerra quixotesca. Damos de cara com pais perversos, padrastos e madrastas, violentas e criminosas e quando não damos de frente com elas, a televisão mostra. Nas esquinas, nas pontes e postes, dentro de caixas, atrás de muros, junto com os ratos de esgoto, ficam ali jogados os pacotes de lixo-gente. Muitos deles aprendem e sobrevivem com seus vira-latas como se estivessem sendo empurrados pela mão invisível do destino.

Mas agora vamos voltar falar do crack ou quiçá, da maconha também. Essas drogas malditas que, por ser estimulante, ocasiona dependência física e, posteriormente, a morte por sua terrível ação sobre o sistema nervoso central que gera, em razão disso, a aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremores, excitação, maior aptidão física e mental. Os efeitos psicológicos são a euforia, a sensação de poder e o aumento da auto-estima. E ela foi o grande mal daquele garoto craque de bola que passou a ser usuário de droga; que não conseguiu ver a vida florescer e retirar dela os galhos podres para poder, pelos menos, conseguir driblar a morte, mas infelizmente não conseguiu. Num entardecer foi visto agonizando num beco escuro sob o efeito da droga, só que, naquele dia, além de uma overdose, recebera um tiro no peito, porque simplesmente não conseguiu pagar uma dívida inerente a umas pequenas “pedras” de crack que comprara de um traficante. 

Ao ver aquela cena pela TV questionei: O que as autoridades constituídas têm que fazer? E sem pensar, respondia com ar de revolta: Em primeiro plano, a vontade política em resolver tal situação, não obstante constatemos que, enquanto existir no Congresso Nacional os conchavos, as negociatas que fazem surgir as famigeradas benesses de emprego para seus apaziguados, um dinheiro a mais no orçamento; faz surgir os corruptos e corruptores que se perpetuam com o auxílio poder Executivo e legislativo. Enquanto existir a política esperta e populista que está aumentando a preguiça da população carente oferecendo bolsas família, tudo isso em nome de um capitalismo barato, de fachada, que gasta milhões em propaganda para fazer você acreditar naquilo que não vê. Enquanto não existir uma base mínima de um trabalho coordenado, completo, que una saúde pública, assistência social, caridade, segurança e perspectiva, inclusive emocional, de nada adiantará o esforço daqueles que querem ver o Brasil sem crise. Em segundo plano, neste momento cruciante, todos precisam apoiar todos; todos por qualquer um. A liberdade individual, a possibilidade de escolha, existe, mas ambas têm, sim, limites.

Não adianta pegar esses infelizes e levá-los a abrigos, dar-lhes banho, lavar suas roupas, secá-las, botar para coar, enfiar comida em suas bocas, porque eles preferem as ruas. Dar entrevistas bombásticas, com o fito emocional, também de nada adiantará, pois em minutos depois, em abstinência, eles voltam. Não adianta a sociedade empurrá-los de lá para cá: agora estão cada vez mais perto de nós, onde são mais danosos que pode soar como um alerta: os traficantes estão chegando aos montões em qualquer parte do País e alimentando os usuários de crack e cocaína, principalmente em Goiânia. Vemos na televisão que esses usuários e traficantes estão transformando o Brasil num teatro de horror, cujos personagens parecem ter saído de filmes de terror protagonizando cenas inenarráveis, lotando de infelizes os gramados da vida mundana. Se a sociedade organizada não tomar providências urgentes; se os olhos por mais embaçados que forem, marejados ou míopes não verem, se seus ouvidos não escutar o clamor que vem das ruas; se todos os responsáveis continuarem empurrando com a barriga, poderá, de um lado, esta dependência química se proliferar de uma maneira assustadora, incontrolável e fazer fortunas para muitos, entretanto, do outro lado, destruir vidas, famílias e aumentar os “lixos” humanos.





0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions