Goiânia que completou 80 anos, de alguma forma,
há tempos vem fazendo parte de minha vida, e de alguns anos para cá, venho me transbordando
alegria, aos pouquinhos, e isto é o que me importa. Neste dia festivo, ao passar
diante da estação ferroviária e caminhar pelas calçadas parecia ouvir as goteiras
daquele tempo e no intervalo de cada uma, senti-me interpelado por um vozerio,
sons estridentes de buzinas ou roncos de motores que me azucrinavam os ouvidos
e tiraram-me os momentos de nostalgia. Não sei se deveria dizer agora, mas desde
os tempos idos quando caminhava por aquelas ruas poeirentas do bairro popular jamais
pensava em coisas vãs ou divagava com o pensamento alhures e caprichos
imaginários como deixo transparecer hoje. Não sei realmente o porquê, mas hoje basta
uma faísca de tristeza para que tudo ao meu redor se torne
absolutamente questionável. Queria ter as certezas e os sonhos de antes. Se
os realizei plenamente ou não. Naquela época, era um menino simples, sonhador, esperto,
tão esperto que pensava saber todas as respostas – o conforto da
superficialidade. Hoje, com os cabelos procurando a brancura, mais
experiente e cabeça pensante, ainda fico na dúvida se estou pronto para ouvir
perguntas, assim como, a capacidade para reportá-las. Mas de certa forma, ligo,
se a razão está ou não comigo.
O tempo passou, o tempo voou e durante essa
caminhada sempre procurei me adaptar a alguma coisa palpável, certa, correta,
legal. Todos. Eu, você, nossos amigos e amigas, o pobre coitado do moto taxista
que detesta dias chuvosos tem que adaptar a intempéries do tempo, afinal, em
realidades um tanto quanto diferentes, e é óbvio, queremos basicamente a mesma
coisa dos dias que vem e vão: a paz.
A minha escola primária não era tão simples
descrevê-la. Uma construção de alvenaria e telhas francesas, pronto! Todo mundo
sabia exatamente o que eu queria dizer. E se não entendesse, sempre colocava no
desenho um texto poético, infantil. E ela nem precisava de fato parecer uma
escola. Era só rabiscar as folhas de caderno e um quadrado com portas, janelas,
uma pequena cerca, uma árvore e um quintal – a folha do papel já era branca,
então não precisava pintar as paredes, pois eu gostava do branco. Depois do
primário veio o ensino médio no glorioso Liceu de Goiânia e nas aulas de
português e história das quais mais gostava, a paz virou o contrário de guerra.
Era a revolução que se avizinhava. Um conflito entre dois poderes, o governo
federal e as forças armadas que disputavam bens naturais e o próprio poder. Meu
professor dizia com tanta convicção, que eu nem pensei em contestar. Então
tá! Para chegarmos à paz é isso, tem que haver guerra. Que loucura!
Há tempos que procuro não falar muito e esconder
coisas até de mim mesmo. É uma luta interna. Preciso sempre ir até o
final, mesmo que esse seja um caminho solitário. Dito isso, até parece
besteira, mas ainda tenho dificuldades de lidar com os meus próprios sentimentos
de outra forma, mas estou tentando. Tenho medo de me corromper ou ser
corrompido, por isso, como simples escriba, procuro exercitar as palavras "lisura" e "retidão" dia a dia. Medo de
me tornar vulnerável claro que tenho, mas sempre me desvencilho. Medo de
compartilhar a confiança que me resta também, mas este resquício de confiança
eu partilho, porque acredito em quem está do outro lado.
Parece mais fácil quando deixamos o mundo saber o
quanto é difícil hoje ser bom, honesto, não ter medo da realidade, mas fazê-los
pensar que existe um culpado não nos torna inocente. Somos donos
dos nossos próprios medos, de toda a insegurança acumulada, escolhas e
também dos receios que a vida nos fez ter. Armaduras ou grades nenhuma nos protegem
de nós mesmos. Ou seja, tudo isso infelizmente não significa que conseguiremos
controlar essa bagunça social em forma de insônia ou ansiedade, mas nos mostra
que se trata de uma pendência interna que antecede qualquer promessa feita e
desfeita.
O tempo passa e voa e às vezes não deixa rédeas
para que possamos segurá-lo. As memórias vão fazendo uma trança nos fios de
cabelo da nossa história. Carregamos ali um pouco de tudo e todos que
conhecemos – a parte madura e também a parte podre. Transferimos manias,
conhecimento e afeto por aí. Até que um dia as antigas músicas servem de trilha
sonora para novos momentos; as palavras que um dia penetraram em nossos ouvidos
hoje são usadas sem a mesma ternura numa mesa de bar, assim como aquele cheiro jasmim
impregnado no travesseiro desaparecer por completo. Será que nós continuamos os
mesmos? Será que eles continuam os
mesmos? Entretanto, este questionamento não quer dizer nada, pois não se trata
de um jogo de sete erros – é muito mais.
Por fim, pense se sua vida fosse um ônibus. Eu
diria que seríamos todos passageiros da agonia. Alguns descem mais cedo. Outros
nos fazem querer mudar de lugar. Ora, em alguns momentos ficamos distraídos
olhando através da janela, noutros, só queremos jogar um pouco de conversa fora
para o trajeto parecer mais curto. Às vezes adormecemos sem querer num ombro de
um desconhecido, e às vezes, fechamos os olhos por querer ou medo de enxergar o
imprevisível, pois o pior cego não é aquele que não vê, e sim, aquele que finge
não enxergar o previsível. Mas, com o olhar absorto ou não, o importante é não
deixarem de sonhar e continuarem com a mesma vontade de chegar a algum lugar.
Encaminhado ao Diário da Manhã, para publicação no dia 30 de outubro.
Amigo, Vanderlan, pude mergulhar em suas linhas e vagarosamente resgatar um pouco daquele que ficou, e persistir nos caminhos que desejo trilhar. Um forte abraço companheiro. Weder Soares
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