Diz o Aurélio que
pomar são terrenos de árvores frutíferas e geralmente o local onde elas são
plantadas pode ser um sítio ou uma fazenda. Mas, na minha história não incluo
fazenda e nem sítio, e sim à bela cidade de Morrinhos, conhecida como, a cidade
dos pomares. A minha
história começou num tempo em que ainda existiam sentimentos. Então, logo podem
notar que já faz muito tempo e que me abstenho de contabilizá-lo, pois todos
sabem que já passei da casa dos sessenta e essa a história de passado, só mesmo
a recordação pode alcançar.
Naquele
tempo ainda existiam as gabirobas, frutas do conde, jambo, cajuzinho, guabiroba
e tantas outras que a gente catava no pasto; tempo que não existiam apenas
essas coisas oferecidas pela natureza, existia também sentimentos puros, relacionamentos
familiares, amizade e diálogo entre pais, filhos, avôs e netos, cordialidade e
respeito. E na pequena e aconchegante cidade de Morrinhos era o tempo também de
quintais, de pomares, de cadeiras de balanço nas calçadas, de redes armadas ao
entardecer, de amigos reunidos para contar causos e conversar coisas boas e
proveitosas.
Naquele tempo
de menino procurava nos rigores da tenra idade apreciar as árvores frutíferas
principalmente as plantadas no pequeno quintal do saudoso Doríco. Era coisa
pouca, pequena, mas eram árvores frutíferas bonitas e vistosas com suas
goiabas, mangas, carambolas e algumas mais.
Com os
olhos fixos de um menino sonhador, observava aquela beleza descomunal, muitas
vezes lambia os beiços, engolia o choro e respirava fundo
como se aquelas cenas frutíferas me tocassem profundamente. Às vezes, enquanto
saboreava uma carambola, eu sorria um sorriso de lado, meio apagado, mas
gostoso. Aparentemente, eu parecia estar perfeitamente bem, mas só Deus sabia o
quanto estava doendo aquele nó preso na garganta ao me lembrar de meu pai plantando milho a poucos
quilômetros dali, debaixo de um sol causticante para sustentar a família
numerosa, mas também de minha mãe que tinha certeza do seu ritual: andar de lado a
outro enchendo o forno de lenha para assar biscoitos, e na sua pureza de alma
conversava com as plantas e de vez em quando se deliciava, ali mesmo, de uma
fruta madurinho, recolhida diretamente do pé. Uma goiaba deliciosa era mordida por
ela que fazia descer pelos seus beiços finos o néctar daquela fruta que de
alguma forma fortalecia seu espírito jovem.
Aos
domingos e seus os finais de tarde, trago apenas uma vaga lembrança: o meu pai
colocava sua cadeira de balanço sombreada por um pé de manga e ficava
matutando, recordando dos tempos vividos na Fazenda de São Domingos dos Olhos D'água, onde, entre uns causos e outros, mostrava sentir saudades e alegria, e
de vez em quando, víamos lágrimas escorrerem pela sua face sofrida. Assim
também eram as tardes ali em meio à paisagem que mais amava, junto aos meus
irmãos. Ora, era pequeno demais para entender, mas sabia reconhecer e
compartilhar com eles o meu coração e repartir meus sentimentos, e assim, era
essa a fraternidade que aquela natureza nos propiciava. Algumas vezes sentíamos
que as árvores não estavam mais verdejantes como antes, festeiras na dança de
suas folhagens. Sentíamos estarem cabisbaixas, um tanto retorcidas e quase não
davam mais frutos. Mas, o quintal do velho Doríco, lá no centro da cidade, não apresentava
as mesmas feições do nosso e isso atormentava meu pai.
E os anos
foram passando e o pomar produzia pouco fruto, as folhagens se despencavam,
tudo ficava numa nudez horrenda, ainda mais melancólica e aflitiva. E o
semblante do nosso pai era igual à árvore ferida, destruída, natureza
devassada. Nem mais um sorriso nem um esboço de contentamento, apenas aquelas
lágrimas caindo mais vezes e em maior quantidade.
Hoje, depois
de contabilizado o tempo, descanso numa poltrona colocada na varanda do 13.º
andar, e com o vento roçando o meu rosto e o peito nu, fiquei manipulando o
tempo devagarzinho até voltar a aquele saudoso tempo e aí, perguntei-me a mim
mesmo por que estava assim tão triste, com os olhos tão distantes e parecendo
que havia chorado. Então, olhei a imensidão de prédios e não consegui emitir
nada, não era mais um menino e não mais existiam as mãos protetoras de meu pai
e minha mãe, nem arvoredos, nem frutos, nem nada. Estava cercado por uma selva
de pedras que se alastravam pela Capital.
Uma
amargura veio e doeu tudo por dentro, porém me esforcei ao máximo para não
repassar tristeza ainda maior para o meu neto que brincava ao lado. E fiquei
pensando no que fazer para acabar com aquela situação e trazer um pouco de
alegria àquele rincão que tanto adorava. Não me lembro o que pensei, mas sei
que pensei muito, e passei aquele pedaço de noite imaginando carregar coisas
para plantar no quintal da minha vida e me vi entrando e saindo dele, num vai e
vem que não acabava mais.
Que bela
inocência do eu hoje menino-homem. Que trabalho eu tive para fazer com que meu
saudoso pai abrisse a porta do amanhecer e pudesse se espantar com frutas coloridas
do pomar que criei na minha imaginação. Mas tudo surreal, e algumas, de
sintético, reproduzindo aquelas frutas que encantavam os olhos do meu pai. E
que encantamento ficaria se estivesse vivo, mesmo percebendo que tudo aquilo
não passava de uma mente imaginativa, gesto de um filho que tentava alegrar o seu
espírito hoje em outra dimensão.
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