De volta à cidade dos pomares.

sábado, 2 de novembro de 2013



Diz o Aurélio que pomar são terrenos de árvores frutíferas e geralmente o local onde elas são plantadas pode ser um sítio ou uma fazenda. Mas, na minha história não incluo fazenda e nem sítio, e sim à bela cidade de Morrinhos, conhecida como, a cidade dos pomares. A minha história começou num tempo em que ainda existiam sentimentos. Então, logo podem notar que já faz muito tempo e que me abstenho de contabilizá-lo, pois todos sabem que já passei da casa dos sessenta e essa a história de passado, só mesmo a recordação pode alcançar.

Naquele tempo ainda existiam as gabirobas, frutas do conde, jambo, cajuzinho, guabiroba e tantas outras que a gente catava no pasto; tempo que não existiam apenas essas coisas oferecidas pela natureza, existia também sentimentos puros, relacionamentos familiares, amizade e diálogo entre pais, filhos, avôs e netos, cordialidade e respeito. E na pequena e aconchegante cidade de Morrinhos era o tempo também de quintais, de pomares, de cadeiras de balanço nas calçadas, de redes armadas ao entardecer, de amigos reunidos para contar causos e conversar coisas boas e proveitosas.

Naquele tempo de menino procurava nos rigores da tenra idade apreciar as árvores frutíferas principalmente as plantadas no pequeno quintal do saudoso Doríco. Era coisa pouca, pequena, mas eram árvores frutíferas bonitas e vistosas com suas goiabas, mangas, carambolas e algumas mais.

Com os olhos fixos de um menino sonhador, observava aquela beleza descomunal, muitas vezes lambia os beiços, engolia o choro e respirava fundo como se aquelas cenas frutíferas me tocassem profundamente. Às vezes, enquanto saboreava uma carambola, eu sorria um sorriso de lado, meio apagado, mas gostoso. Aparentemente, eu parecia estar perfeitamente bem, mas só Deus sabia o quanto estava doendo aquele nó preso na garganta ao me lembrar de meu pai plantando milho a poucos quilômetros dali, debaixo de um sol causticante para sustentar a família numerosa, mas também de minha mãe que  tinha certeza do seu ritual: andar de lado a outro enchendo o forno de lenha para assar biscoitos, e na sua pureza de alma conversava com as plantas e de vez em quando se deliciava, ali mesmo, de uma fruta madurinho, recolhida diretamente do pé. Uma goiaba deliciosa era mordida por ela que fazia descer pelos seus beiços finos o néctar daquela fruta que de alguma forma fortalecia seu espírito jovem.

Aos domingos e seus os finais de tarde, trago apenas uma vaga lembrança: o meu pai colocava sua cadeira de balanço sombreada por um pé de manga e ficava matutando, recordando dos tempos vividos na Fazenda de São Domingos dos Olhos D'água, onde, entre uns causos e outros, mostrava sentir saudades e alegria, e de vez em quando, víamos lágrimas escorrerem pela sua face sofrida. Assim também eram as tardes ali em meio à paisagem que mais amava, junto aos meus irmãos. Ora, era pequeno demais para entender, mas sabia reconhecer e compartilhar com eles o meu coração e repartir meus sentimentos, e assim, era essa a fraternidade que aquela natureza nos propiciava. Algumas vezes sentíamos que as árvores não estavam mais verdejantes como antes, festeiras na dança de suas folhagens. Sentíamos estarem cabisbaixas, um tanto retorcidas e quase não davam mais frutos. Mas, o quintal do velho Doríco, lá no centro da cidade, não apresentava as mesmas feições do nosso e isso atormentava meu pai.

E os anos foram passando e o pomar produzia pouco fruto, as folhagens se despencavam, tudo ficava numa nudez horrenda, ainda mais melancólica e aflitiva. E o semblante do nosso pai era igual à árvore ferida, destruída, natureza devassada. Nem mais um sorriso nem um esboço de contentamento, apenas aquelas lágrimas caindo mais vezes e em maior quantidade.

Hoje, depois de contabilizado o tempo, descanso numa poltrona colocada na varanda do 13.º andar, e com o vento roçando o meu rosto e o peito nu, fiquei manipulando o tempo devagarzinho até voltar a aquele saudoso tempo e aí, perguntei-me a mim mesmo por que estava assim tão triste, com os olhos tão distantes e parecendo que havia chorado. Então, olhei a imensidão de prédios e não consegui emitir nada, não era mais um menino e não mais existiam as mãos protetoras de meu pai e minha mãe, nem arvoredos, nem frutos, nem nada. Estava cercado por uma selva de pedras que se alastravam pela Capital.

Uma amargura veio e doeu tudo por dentro, porém me esforcei ao máximo para não repassar tristeza ainda maior para o meu neto que brincava ao lado. E fiquei pensando no que fazer para acabar com aquela situação e trazer um pouco de alegria àquele rincão que tanto adorava. Não me lembro o que pensei, mas sei que pensei muito, e passei aquele pedaço de noite imaginando carregar coisas para plantar no quintal da minha vida e me vi entrando e saindo dele, num vai e vem que não acabava mais.

Que bela inocência do eu hoje menino-homem. Que trabalho eu tive para fazer com que meu saudoso pai abrisse a porta do amanhecer e pudesse se espantar com frutas coloridas do pomar que criei na minha imaginação. Mas tudo surreal, e algumas, de sintético, reproduzindo aquelas frutas que encantavam os olhos do meu pai. E que encantamento ficaria se estivesse vivo, mesmo percebendo que tudo aquilo não passava de uma mente imaginativa, gesto de um filho que tentava alegrar o seu espírito hoje em outra dimensão.

De volta à cidade dos pomares, agora para assumir uma cadeira na Academia Morrinhense de Letras, sei que talvez, não encontrarei no cerrado ou nos quintais, uma gabiroba, um marmelo, uma fruta do conde, um jambo ou uma carambola para apertá-las carinhosamente em minha mão. Mas, se ainda achá-las, não importa qual delas, desta vez não quero mordê-las, apenas beijá-las.

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