Conversando com o coração

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014




Sou romântico à moda antiga. Sempre fui, mas não querendo contradizer os sentimentos do meu coração, encarava qualquer coisa que o aprisionava mesmo sem perspectivas para melhorar seus batimentos, que chamamos de cardíacos, assim como o seu comportamento dentro do meu peito. Ele era até de certo ponto infantil, e às vezes, curvava-se diante qualquer coisa e da intransigência firme de minha mente disciplinada. Disciplinada mesmo! Era essa a regulação de meu cérebro sobre nós. Era uma queda de braço entre a emoção e a razão, que me deixava desnorteado. Mas o meu coração pulsante às vezes sobrepunha, pois o seu amor por mim era inconteste, como os sentimentos e as ações defensivas que moveu a meu favor ao longo dos tempos. Seus atos dentro do meu peito nem questionavam meus desejos, o meu estado de espírito e a paz que buscava sem o seu consentimento, e às vezes, até o desobedecia, mas o impertinente cérebro possuidor de uma mente sã intercedia e usava seus recursos para controlar tudo.

Em muitos momentos da minha vida, como ocorre hoje, tudo ficou no auge da minha felicidade. Um estágio legal para um sonhador, nunca imaginado por meu pulsante e nem por mim. Mas era assim. Seus batimentos eram frenéticos dentro do meu peito e me deixava de bem com a vida. Sabia que muitas pessoas gostavam de mim. Eu tinha sonhos e a certeza de que ele compartilhava comigo, pois era também um sonhador como eu. E assim vivíamos e vivemos como cúmplices: eu, a minha mente e o coração. Se um dia seremos felizes para sempre? Sabemos não! Eu não acreditava e nem acredito em contos de fada. Mas vivemos e continuamos a viver e felizes, sim. 

Bem, esse era o meu sonho. Sonho que pouco a pouco e pelas mãos do destino quase foi destruído. Um dia, precisamente no início de fevereiro de 2012, ele resolveu dar um susto em mim e assustou mesmo! E foi numa tarde chuvosa. Comecei a sentir uma grande dor no peito. Subi o elevador, adentrei a sala do meu local trabalho, sentei-me junto à escrivaninha e senti um estalo. Coloquei minha mão sobre meu peito. A dor veio intensa e sem pestanejar perguntei ao meu coração o que ele tinha e porque estava tão acelerado dentro de mim, que até me fazia transpirar. Não respondeu e fiquei um minuto em silêncio, inquieto fiz a mesma pergunta e insisti com outra: - Por que se atormenta dentro de mim? Aí ele me disse: - Estou assim porque não cumprira as ordens médicas e isto me deixou infeliz, de certo modo impotente, mas queria que fosse diferente.  Continuou acelerado e finalizou a conversa.

Fiquei em silêncio e depois caminhei pelo corredor daquela Secretaria, suando muito e levando comigo a dor. O meu coração já meio confuso voltou a me questionar: Agora se sentes tão pequeno não é? Estou magoado com você porque me culpas! Angustiado, dei mais um passo e perguntei: - O que será que eu te fiz para ter essa dor? Ele humildemente respondeu: - Você sofre com as pessoas injustiçadas; preocupa-se demais com o seu trabalho, também com as pessoas que o cercam, és atencioso, mas perfeccionista demais, procura ser prestativo e na maioria das vezes, se decepciona... Você ama e depois sofre e fala que a culpa é minha... Você espera por algo que não vem e fica triste... Aí você chora e seu choro dói em mim... Acho que você precisa de ajuda para esse seu coração sofrido... Ajuda boa! E saiba que as decepções misturadas com estresse te prejudicam. Saia desta antes que seja tarde demais! 

Não agüentando mais a dor questionei novamente o meu coração: - Como assim, ajuda boa? Ele respondeu: - Porque a coisa boa estancará essa sua tristeza, diminuirá as mágoas que teve de alguém e minimizará a solidão... E ainda desejo que estes bons fluídos estejam com você nos dias frios e nas noites vazias, assim como, nos dias de tempestade e nas horas que você se sentir só... Que eles sejam tão grandes que possam envolver seu corpo em um abraço cheio de ternura, de forma que se sinta seguro e amparado... Que a ajuda venha de gente boa que te fará sentir o quanto você é especial e amado, mesmo que você nunca tenha sentido esse amor, nem de seus entes queridos... Precisa de gente boa ao seu lado, mesmo que não sejam eternos, afinal nada é para sempre, todavia, que não sejam descartáveis... Pessoas que absorvam o seu sofrimento e qualquer dor, ou a ferida que não se vê apenas se sente... Pessoas que nunca venha decepcioná-lo. Pessoas verdadeiramente companheiras e sinceras, que se importem realmente com você... Eu sou o seu coração e não quero pena, somente amor... Amor de verdade. No entanto, é preciso que você também se ame e prometa cuidar mais de mim, porque sou parte de você, e se sofres, sofro também... Queria poder colocar você dentro de mim, secar suas lágrimas, ninar você... Queria dizer-lhe que tudo vai passar, assim como, as decepções que você teve durante sua vida, afinal você já sofreu tanto que não sei como ainda consigo bater forte em seu peito! Mas saiba, para este coração ferido pelo tempo, você é especial... Pena que algumas pessoas não percebam isso!

Foram estas as últimas palavras proferidas naquele corredor e obediente, desci até o térreo e uma ambulância do Corpo de Bombeiros me levou ao hospital. Era prenúncio de um infarto. Tentava compreender porque o meu cérebro não me alertara e nem cobrara qualquer atitude se somos dominado por ele, mas não o fez, não insistiu que eu devia procurar um médico. Mas, convenhamos, era teimoso como eu, ou ele me fazia de teimoso. Naquele dia senti um golpe duríssimo direto no meu coração, quase tão duro quanto a um soco de pugilista e quase fui a nocaute. Foi um golpe duro demais e meu coração quase não suportou.

Desde aquele dia durmo com o coração sem sobressaltos e vou me acostumando com sua maneira, agora mais calmo, sem qualquer alteração. Disse para ele que hoje sou acadêmico e me tornei imortal, uma pessoa que não está sujeita à morte, ou seja, como os deuses imortais, ou de forma figurativa, aquilo cuja lembrança permanecerá na memória dos homens: glória imortal, o amor imortal. Pessoas que admiramos através dos séculos. Passados quase dois anos de colado os cacos e desentupidas as artérias com a colocação de algumas estentes, entendo que é o momento propício de retribuir o seu amor para que ele nunca mais venha sofrer de novo. Mas, e agora, como vou convencê-lo que sou imortal? E você, imortal ou não, já conversou com o seu coração?

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