Você já
imaginou sentar-se à beira do mundo e olhar o universo infindo, mas não
encontrar lugar algum, nem uma meia-sombra do sol ou da lua ou poder descansar debaixo
de uma árvore milenar plantada por um ser extraterrestre numa estrela qualquer.
Ainda, poder suspirar as brisas que vagueiam pelo espaço sideral sem derramar
seus aromas sutis, e ou, à meia-luz, se sentir iluminado pelo sol que,
generosamente, insiste em permanecer girando e aquecer o frescor do dia que se
esvai pela beirada de mundo.
E hoje, de frente para um
universo que não sei discernir, restou-me aquecer da leveza do momento que de
tão imenso o silêncio não quebrou por sons vindos de uma terra perdida, mas,
felizmente, preenchido pelas batidas do meu coração e pela voz infantil de uma
criança que brinca do outro lado do mundo. Meu coração começa a bater no ritmo
suave de um mar sem pedras ou barrancos a impedir, mas se sente feliz. De meu
posto privilegiado acompanho os pontos enfeitados do universo, talvez usando
mais com o espírito do que com a consciência. Navego com os olhos e não vejo
naves enfeitarem a paisagem estelar. O meu mundo está aqui e não do outro
lado e a cada olhar, procuro seguir para o meu porto seguro, ou nave, sei lá,
mas sem pressa, sabendo que meu destino não se resume apenas deixar ou pegar
passageiros errantes nas beiradas do mundo e sem estação espacial.
Tudo ao redor me traz paz. Toda a
paisagem que vislumbro no universo me enche os olhos, o corpo treme, a alma se
aquieta. Calmamente, espero minha nave, talvez, sem precisar para onde ir. Tão
parte da paisagem quanto da encosta da beirada de meu mundo, sem precipício, e
quem me olha de longe, me vê inerte, uma estátua há muito tempo ali
colocada. Tão imersa na perfeição do momento que ninguém repara outras,
colocadas no atracadouro, que agora passam lentamente diante dos olhos perdidos
na escuridão do próprio ser de cada cidadão. Elas se diferem, mas nem tanto. As
silhuetas causam frisson e é dificultoso vê-las ali naquela beirada de mundo
esperando pacientemente por suas naves espaciais. Começo a divagar sobre a
vida que tenho levado na parte que me coube viver nesta terra nossa que devia
ser de todos. Dores eu sentiu e muitas.
Vitórias, derrotas, decepções já passei e muitas, que talvez hoje seja
desnecessário contabilizá-las.
Aguardando minha nave estelar
aceno delicadamente aos passageiros da agonia que por ali passa no afã de não interromper
seus devaneios e suas esperanças de encontrar na última curva uma estação para que
possam apascentar juízos finais. Cada passageiro deve ter a capacidade de se
adaptar às circunstâncias, olhar para frente e emplacar o silêncio que se
acumula na região recôndita do cérebro e evitar que os pensamentos sejam
surpreendidos pela voz roufenha e arfante de um bruto qualquer. Parece não
haver mais naves espaciais e tempo urge. Não há mais nada – com certeza tão
profunda do que esperar é esperar, o inesperado, que às vezes amedronta. E assim,
entendo que resta aos sobreviventes da beirada do mundo ir embora e levar com
eles a esperança de uma vida melhor e depositá-las noutras beiradas de mundo.
Eu reagi rápido, corri atrás,
mostrei aos comandantes da nave o meu tíquete. Tinha até dois e nem entendia o
porquê, todos com o horário e rotas corretas, enquanto do outro lado, continuavam
repetindo, zangados e tristes até de saberem que não mais passaria outras naves
ou outro objeto qualquer. Observei, por mero acaso, que alguém, uma mulher
esbelta, de olhos claros, cabelos ondulados, seguia para o mesmo destino que o
meu e estava calma. Vejo-a no embarcadouro, sentada, com o olhar voltado para o
infinito. Ela não parecia ouvir nenhum cântico, o som do vento ou a brisa acariciar
o seu corpo e calada estava. Apenas esperava a sua nave, que era a minha.
Deus, o arquiteto do universo providenciou para
que a gente estivesse na mesma hora e no lugar certo: um, para receber ajuda;
outro, para dá-la. Moral da história: No fundo sabemos que o mais afortunado
foi aquele que aproveitou a oportunidade para ajudar. E eu o fiz oferecendo um
dos meus tíquetes. Portanto, faça isso você também, pois da próxima vez talvez
seja você que venha a precisar de algum desconhecido. Ah, então, saia do seu conforto e insista para que a
pessoa espere pela sua nave, porque, amigo, sempre chegará o dia em que todos
precisarão de ajuda, e não importa quanto tempo passemos sentado na beira de
nosso mundinho, nem quanto peso carregaremos e quantos minutos havemos de
precisar para apreciar um final de tarde. E podem ter a certeza de que ao final
todos pegaremos a mesma nave e seguiremos a mesma rota ou teremos o mesmo
destino.
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