Tudo em Nome do Pai

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Amanheci inquieto e de certo modo atormentado pela saudade que tremulava na minha massa cefálica e dilacerava meu coração já machucado pela engrenagem da velha máquina corpórea, sobre a qual não consigo obter respostas de como funciona por mais que a gente insista. Tenho uma filosofia diferenciada, onde procuro inserir na minha vida a segurança, a paz, a amizade e respeito ao ser humano. Hoje, nesta manhã de inverno, 12 de agosto, “dia dos pais”, entre um gole de café com leite e um pedaço de pão francês, começo a observar a grande diferença entre a saudade e a ausência. Muitos as confundem, outros a torna única, alguns pensam erroneamente, mas, tudo é a mesma coisa em se tratando de saudade de um pai que partiu há décadas deste mundo para viver numa outra dimensão.

A única imagem que carrego dele aconteceu num final de tarde quando estava na garupa de seu cavalo e ele me disse: “Filho, quando cavalgar à noite e tiver medo, cante bem alto que o mal espanta”. Esta frase ficou gravada em minha memória, como ficou também o seu corpo estirado no chão, dias depois, morto, queimado por fios elétricos de alta tensão. Devo confessar que nem chorei, porque hão de compreender que era apenas uma criança e para mim aquilo era surreal, incompreensível. Um filme de terror a mim devia ser proibido. Diria até que o que senti era apenas uma forma heurística, uma verdade que não aceitava e que podia me inculcar ou quedar-me diante de um exercício de alquimia, mas era pequeno demais para entender aquilo e sobre a existência ou não de coisas filosofais. Eu era apenas um menino-diamante que necessitava primeiro ser carbono, ter a temperatura elevada para me tornar valioso, pois a ausência nem sempre evolui para a saudade, mas em relação ao meu pai, as duas evoluíam sim.

Sentir saudade do que nos faz bem ameniza o coração; sentir saudade daquele que um dia nos fez sentir vivos, nos acalenta, nos provoca sorrisos e até choros com algumas palmadas, mas é bom. Sentir saudades das conversas, de sua voz ao longe gritando e campeando o gado; sentir saudade dos pequenos gestos, das grandes ações é inesquecível. Sentir saudade das histórias contadas à beira do fogão de lenha enquanto os biscoitos eram fritos na panela de ferro é gratificante, assim como, fazia bem o cheiro do mato verde e das cores de flores do campo. Saudade que me é importante e que todo mês de agosto comemoramos. Falta que dói, mas, sei que nunca o terei de novo.

A ausência de um pai que abandona o lar não traz saudade, gera esquecimento. Tem pai que se diz presente, mas, o seu amor está sempre ausente. Tem pai que está presente, é amado e distribui amor aos seus entes queridos. Quanto aos ausentes, o cotidiano os enterra, diluem as lembranças, revira as páginas da vida que jamais queremos abrir. A ausência de um pai deixa as páginas amarelas, cria mofo, e ao relermos as linhas, constatamos não ser mais necessário, pois a escrita nada nos trás de bom. Não há mais o ornamentado palco da vida e nele, a arte do suspense, da trama que já era prevista e o fim… Ah o fim… Não quero ler ou reviver essas páginas corroídas por traças e amareladas pelas intempéries do tempo.

Quando há saudade e é a que sinto, não haverá fim… Porque não há ausência, mas uma presença distante, talvez do outro lado do mundo, numa dimensão qualquer, do outro lado da vida, porque acredito na existência dela do lado de lá, mesmo não existindo palavras, olhares e nem toques. É um mistério que foge a compreensão do homem. Aqui no Planeta Terra ainda há a alegria de olharmos para céu e enxergarmos entre as nuvens raios de sol que nos remete de volta à realidade; existe a alegria de colhermos a cada dia a flor da certeza e plantá-la em terreno fértil onde poderemos regar com a verdade do sentir. Quando há saudade a espera é apenas mais uma etapa, mas, tudo vale à pena… Quando se trata de ausência passa-se a sentir a indiferença do outro, e isso dói e fere a nossa alma. Quando não há mais o interesse, quando ficamos em silêncio, quando não há mais a partilha entre o ser humano e tudo vira um emaranhado de figuras distantes, ai sim é uma grande ausência.

A saudade de meu pai por mais que enfraquecesse meu coração não me deixou solitário. Ao contrário, me fez ir à luta e honrar o seu nome, pois sabemos que no jogo contínuo das aparências, a vida segue, como as semanas seguem, alternando os dias, as noites e as esperanças. Mas nada que faça cócegas no cerne, nada que perpasse a casca. A vida segue assim como segue a dor que sinto no ombro e o coração com o seu descompasso que tenta diminuir o vazio que existe dentro. Os planos são muitos, a execução é difícil, mas não desisto, nem solto de vez o leme como gostaria, mantenho-me ainda com a enferrujada bússola, com algum norte, alguma inteligência para além da lamentação. Talvez isso me mantenha em pé, com a cabeça próxima de alguma magnitude.

Nesta manhã de 12 de agosto novamente senti saudade, entretanto, não quero mais sentir a dor da ausência, pois se assim for é porque não era, porque foi efêmero, foi ilusão, foi apenas uma escrita que não chegou a ser uma história. Não quero transformar minha saudade em ausência porque isso chegaria à resposta que não quero ter e se a vida trouxe a minha alma as certezas de uma procura, não quero que ela se perca na incerteza de uma chegada.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions