Sou escritor, poeta, cronista, um artista solitário que vive perdido no
mundo da imaginação e tento através dos meus artigos e crônicas satisfazer meus
desejos mais desvairados, reativar minha memória, reviver emoções, devaneios e
talvez, até sonhos não realizáveis. É através da escrita que manifesto meus
descontentamentos com o mundo egoísta, com os projetos de vida impostos por um
Estado opressor que não dá exemplo e destrói a nossa sociedade. A crônica me dá
asas para voar no mundo da imaginação e ânimo para iniciar mais este texto e
nele falar de uma pessoa qualquer ou especial, mas, certamente, antes que a luminosidade
lunar passe pelo vão da janela, já tenho que ter digitado e lançado na telinha
o amontoado de letras, para no final, juntando-as, alcançar os objetivos
propostos, sem entrar em detalhes que possam ferir a sensibilidade do meu
leitor. Hoje a minha intenção, é escrever sobre duas pessoas amigas que nos
últimos dias fizeram parte do teatro da vida e tiveram que aceitar os desígnios
de Deus; aceitar aquilo que o destino lhes preparou, para, talvez, até servir
de exemplo e mostrar, no final da cena, que o amor prova a sua força mesmo no
tempo da adversidade e reconforta como o sol depois de uma chuva torrencial.
Através
de uma janela quadriculada, no décimo terceiro andar, protegida por uma pequena
persiana, esta me fez lembrar um quatro de um hospital, de uma luz tênue que
iluminava as paredes brancas e de uma porta onde se via uma luz vermelha que
indicava ser ali uma UTI. Com o pensamento alhures fiquei sem entender o porquê
encontrar aquele amigo ali, quase desfalecido, com agulhas fincadas no pulso e
braço jorrando nas veias o soro e medicamentos para manter sua vida. Por tratar-se
de pessoa amiga resolvi escrever este texto e relatar o que aconteceu num final
de tarde, onde o céu escondido por imensas nuvens negras, entrecortadas por
raios de sol, testemunhou um acidente ocorrido a poucos metros da margem do
caudaloso Rio Babilônia.
Com
o corpo inerte naquele leito de hospital, aquele jovem pescador, que era
inquieto, acostumado com as tempestades e intempéries do tempo, naquele final
de tarde seguia rio adentro amparados pelos últimos resquícios de sol que ainda
clareava aquelas margens, e espertamente, acariciavam o rosto de sua amada. Ele
manobrava feliz o seu barco, sem rumo certo, apenas com o prazer de sentir o
vento beijar seu rosto e as águas calmas se debaterem na proa. Mas, por
imprudência de alguém, agora estava ali naquele leito de hospital, enquanto lá
fora, caía uma tempestade nunca vista. O seu rosto parecia esboçar um sorriso e
diante da adversidade que o destino lhe pregara, não nos restou alternativa
senão em ficar ali atentos, observando cada movimento seu e da parafernália de
instrumentos e máquinas que monitoravam o seu sistema cardíaco e respiratório.
Sentimos
que lembranças horríveis de um acidente de barco vinham à sua mente e através
de seu semblante, brotar imagens que pareciam ir e voltar como uma avalanche,
mostrando vívidos detalhes, manobras inconsequentes realizadas por barqueiros.
O seu pequeno barco foi abalroado por uma lancha de grande porte, partindo-o ao
meio ocasionando uma grande explosão. Talvez aquele esboço de sorriso perdido
na escuridão recôndita de um cérebro anestesiado pela dor, poderia estar
estimulando-o a sonhar com sua amada Yasmim que fora também internada em estado
grave no pavimento inferior.
Em
certo momento sentimos sua boca balbuciar alguma coisa, como estivesse se
despedindo da gente. Sobre a escrivaninha, uma pequena lâmpada de abajur
iluminava o rosto de Benjamim que se encontrava com o corpo apoiado sobre dois
travesseiros. Sussurramos alguma coisa em seu ouvido e o seu rosto magro de
transfigurava e um sorriso leve saíam de seus lábios finos e pálidos, como que
agradecendo a nossa presença, mas, naquele instante parecia estar em outra
dimensão. As suas mãos estiradas sobre o lençol branco, mal conseguia movê-las,
mas, entrelaçamos nossas mãos nas dele afagando-as com carinho. Uma lágrima
brotou de seus olhos cerrados e desceu em sua face sofrida e naquele momento
sentimos seus dedos se afrouxarem e o coração parar de bater. Deu um último
suspiro e expirou. Ficamos olhando um para o outro, mudos, atônitos, enquanto a
enfermeira pagava o lençol e lhe cobria o rosto. Naquele instante entre um
médico e comunica o falecimento de sua mulher Yasmim no pavimento inferior.
De
repente, um arrepio tomou conta de meu corpo quando uma luz intensa clareou o
quarto fazendo desaparecer a pequena escuridão que era sustida apenas por uma
pequena lâmpada de abajur. Um clarão intermitente formou-se no quarto de forma
inusitada e incrédulo, vi Benjamim e Yasmim aparecem em forma de luz e pelo vão
da janela suas imagens saírem esvaindo-se diante daquele prenúncio de noite e
recebidas por um grande barco adornado de estrelas reluzentes para depois, subirem
ao céu e como a um raio, desaparecer no universo que nem sabemos ter fim.
Publicado no Diário da Manhã, edição do dia 12 de junho de 2013
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