Em Porto de
Galinhas, Pernambuco, não era difícil levantar cedo porque o sol já perturbava
nascendo exuberante detrás do oceano azul e penetrava pela sacada do Resort
clareando o quarto protegido por cortinas brancas que já dançavam sob ritmo do
vento que eram empurrados pelas ondas do mar. Fotografei com meus olhos a
imensidão de casas de veraneios e coqueirais que beiravam aquela imensidão de
águas azuis, e diante de tanta beleza, não resisti em esculpir sobre a areia o
meu encantamento, construindo um símbolo qualquer, mas que viesse representar
aquele lugar aprazível. Sem eira e nem beira, porque era a natureza que me
oferecia o material, enfiei as mãos na areia esbranquiçada, cavouquei fundo até
elas formarem um monte de terra úmida em contraste com a minha pele que já se
encontrava bronzeada por aquele sol nordestino. Contrastes? Não! As minhas mãos
tinham a força, a minha mente não estava dormente, tipo massa encefálica
amassada... Verdade mesmo! De vez em quando e na ânsia para não deixar escapar
das mãos nenhum grão de areia porque sentia vir deles laivos, cada vez em maior
número, cada vez em maior tempo... Então, comecei querer entender, comecei não
esquecer-me de mim mesmo e me importar; comecei a pensar em não desistir, a
reter-me cada vez mais, pois sei que haverá sempre uma porta, entreaberta, que
sempre me seduzirá e que sempre esperará por mim... E naquele dia, massageando
aquela areia, reuni todas as forças e naquele instante já saboreando laivos de
uma arte sem ironia, consegui transformá-la numa escultura, um símbolo local: A
galinha. Depois de horas trabalhadas, deixei ali quietinha a escultura para
receber os raios de sol ou possíveis chuvas que não eram torrenciais.
No
dia seguinte ela ainda se mantinha de pé ou agachada, tipo chocando. Contente,
saí para fazer o tour em Recife e Olinda. O guia Willian era bem sabichão...
Sabia de tudo mesmo! E foi uma bela aula de história. Mas o que mais me
impressionou foi quanto à frase dita por ele ao mostrar vários prédios de
construções medievais na cidade de Olinda: “Os telhados desses prédios chamamos
de: Sem eira, nem beira ou tribeira”. E sem ficar afoito, continuou falando: “A
origem dessa expressão vem das antigas casas. As casas dos mais pobres não
tinham eiras nem beiras (detalhe na fachada das casas, próximo ao telhado), já
os mais ricos a tinham. Existem três: eira, beira e tribeira. Cada uma tinha
seu significado como possuir dinheiro, cultura, etc. No linguajar popular significa
também pessoas sem bens, sem posses.
Outro
entendimento quanto à palavra Eira, tratava-se ou trata-se de um terreno de
terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a
beirada da eira. Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o
proprietário fica sem nada. Na região nordeste este ditado tem o mesmo
significado, mas outra explicação. Dizem que antigamente as casas das pessoas
ricas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tri beira como era chamada a
parte mais alta do telhado. As pessoas mais pobres não tinham condições de
fazer este telhado, então construíam somente a tribeira ficando assim "sem
eira nem beira”.
Pesquisando
o Aurélio, fiquei sabendo mais que as casas do Brasil Colonial possuíam um
telhado formado por três linhas de telhas sobrepostas como aquelas mostradas
pelo guia em Olinda. Quando chovia, estes planos lançavam as águas para a rua e
para o fundo do terreno. Abaixo do telhado, havia detalhes, chamados de eira,
beira e entre beira, que serviam não só como adorno, mas também para distinguir
as diferentes classes sociais dos proprietários. Quanto mais detalhes, mais
rico o dono da casa. Assim, uma casa que não tivesse eira nem beira mostrava a
condição humilde do seu dono, logo alguém que morava numa casa sem eira nem
beira era uma pessoa pobre e humilde. E em particular no norte do país, é freqüente encontrar espigueiros a
rodear as eiras, pois eram nestes lugares que os cereais eram armazenados. A
importância da eira na vida das populações rurais era de tal forma evidente,
que a palavra deu origem a vários topônimos.
As
famílias pobres revestiam suas casas apenas com a parte superior do telhado,
sem a eira nem a beira. Daí a expressão "sem eira nem beira", que
significa destituído de tudo. Fulano não tem eira nem beira, ou seja: não tem
onde cair morto. E notem que a expressão veio de Portugal de navio. A palavra
eira vem do latim "área", significando um espaço de terra batida,
lajeada ou cimentada, próximo às casas, nas aldeias portuguesas, onde se
malhavam, trilhavam, limpavam e secavam cereais. Depois da colheita, os cereais
ficavam ao ar livre e ao sol, a fim de serem preparados para a alimentação ou
para serem armazenados.
Então caro leitor, volto do nordeste com muitas
histórias pitorescas e nesse caso, podes acreditar que o ditado popular é
verdadeiro, pois quem não tem eira nem beira não é dono de terra nem de casa.
Pois sim! Pois não! Disse nosso amigo portuga Joaquim Manuel. Moral da
história: “Nos tempos atuais, viver é ser artista, com teto, sem-teto ou
sem-terra.
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