Sob o testemunho do sol.

quarta-feira, 26 de março de 2014



Há pessoas quando acordam para ir ao trabalho precisam de tempo para recuperar o prazer de se sentirem vivas. Antes de levantar espreguiçam-se na cama estalando os ossos impregnados na carne e em nervos adormecidos, deixando ao relógio a tarefa de eliminar os resíduos de mau humor ocorridos no dia anterior. Todo o corpo está em dissonância, até a respiração fica ofegante, precisando resgatar mentalmente alguma situação agradável para que o ato de levantar não se transforme numa tortura. Algumas vezes sinto isso, principalmente quando me sinto massacrado pela volúpia trazida pelo tempo quente e  seco. Nestes últimos dias de verão, ao abrir a janela daquele Hotel Resort e ver o sol nascer soberbo detrás do oceano, não conseguia receber a lufada de perfume antes trazido pelo vento e ao aspirá-lo, senti apenas cheiro de fumaça vindo de uma pequena chaminé, mas que jamais iria transformar a minha felicidade num humor azedo, em desconforto ou sem vontade de experimentar o gosto da última manhã de verão.

Mas, naquele local aprazível, com disposição para acolher o melhor, treinei meus olhos para as delicadezas que o mundo me oferecia. Antes de voltar à sacada, olhei no espelho e fiz um exame diário de meu semblante, na tentativa de encontrar cicatrizes, pés de galinhas e olheiras que às vezes nos impede de ficar bem com a gente mesmo em determinados momentos. De um constante observar-se, exercício que resulta na descoberta de falhas de comportamento que podem ser evitadas, procurava sempre reagir com lucidez. Essa reação diária de lucidez é fruto das meditações que faço na tentativa de não reagir à violência com violência, seja ela de ordem física ou psíquica. Sinto-me mal toda vez que entro em conflito com alguém. Tenho horror a qualquer embate onde a agressividade seja a nota que conduz a discussão e ponto final!

Ninguém está imune à inveja, mas não jogo cartas com ela. Não me interessa desafiá-la. Apenas a encaro, como um inimigo mais fraco do que eu. Já vi pessoas próximas sucumbirem, mesmo sendo ricas interiormente, porque acreditavam que outros não mereciam o que tinham. Ficavam paralisadas diante de um falso fulgor alheio. Não percebiam que estavam sentadas sobre uma mina de ouro. Invejar é uma maneira de vestir a vaidade de modéstia.  Por isso, acordar naquela manhã de verão e sentir o gosto dela sempre foi para mim salutar; saborear o mamão, beber leite com café, biscoito de queijo e mastigar um amanteigado pãozinho francês com gergelim; saber olhar o mundo com humildade e reverenciá-lo; entender que um dia a mais é um dia a menos na contagem de tempo de nossa existência é essencial; entender que devemos aproveitar cada minuto como uma criança que se delicia com uma  balinha de hortelã em sua boca sem se importar com o passar do tempo. Precisamos voltar a ser essa criança, nascendo quantas vezes for preciso e espreguiçar entre os lençóis embebidos por carinhos de mãe mulher.

Naquele terceiro dia vesti roupas apropriadas, tênis, um pequeno chapéu de palha e sai para um tour na cidade de Recife e Olinda. Senti que aquele dia seria diferente. Foi mais ou menos uma hora de viagem e quando desci da Van e pus os pés sobre a calçada senti um bafejo quente próprio de um planeta ameaçado. Nas calçadas pessoas estranhas cheias de dogmas se cruzavam, outras, paralisadas, como se fossem espectros humanos, estavam com os olhos voltados rumo a um monumento estranho construído a poucos metros, entre a praia e o calçadão. Com o pensamento alhures, mas encantado com tudo que via, sabia que tinha que continuar, seguir o trajeto traçado pelo guia, com expectativas, é claro, de encontrar coisas diferentes, históricas, arte medieval, poetas e suas poesias, para, quando voltar a Goiânia, não ser totalmente surpreendido por aquilo que acontece por aqui, ou assistir um fenômeno qualquer, talvez vindo de outra dimensão ou do infinito universo de forma que não pudesse me trazer novo alento, ampliar meu saber, maior conhecimento e perspectiva poética. 

De soslaio, antes do sol se pôr detrás do oceano, olhei para o horizonte coberto de imensas nuvens esbranquiçadas que o circundavam e aí não foi difícil entender o segredo do universo. Com a máquina em punho fotografava tudo, até um mosaico fincado no calçadão de Recife onde se via uma linda poesia escrita por Manoel Bandeira: “A arte é uma fada que tramita e transfigura o mau destino. Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta. Cada sentido é um dom Divino” Virei à máquina rumo ao sol e o senti importunado com a refração de sua luminosidade em razão dos cristais de gelo em suspensão na atmosfera que formava ao seu redor uma auréola colorida coberta por uma camada e ele parecia dizer: estou de olho nessa terra de desmandos! Daquele mosaico poético e antes do sol se pôr, consegui tirar flashes incríveis de artes expostas em Recife, Olinda e outros fenômenos raros que me deixaram boquiaberto, feliz e crente de que tudo que vira naquele passeio turístico tinha valido a pena. 

 Hoje, dedilhando o teclado do computador percebi o quanto ainda tenho a aprender em relação à arte e cultura, mas, mesmo assim, me sinto abençoado e grato por fazer parte deste mundo mágico, pois sei que encontrei nele o meu lugar e em algumas crônicas que escrevo, sei que alcançam o coração de muitas pessoas, ajudam, orientam, confortam e algumas até  nos fazem aproximar cada dia mais de Deus e vivermos no dia a dia a espiritualidade.

2 comentários:

  1. Você usa um vocabulário sem complexidade, percebo que te serve como inspiração até uma folha seca caída no chão, você desperta o gosto pela leitura em seus leitores de forma mágica, Parabéns!!!!!!

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