A
imortalidade é algo intuitivo na criatura humana. No entanto, muitos têm medo,
porque desconhecem inteiramente o processo e o que nos espera no mundo
espiritual. O título desta crônica parece meio estranho, mas assim o fiz no
intuito de alertar as autoridades quanto aos temores vividos pela sociedade de
um modo geral e inibir os constrangimentos e medos que a perturba dia a dia. De
forma racional e sem querer interferir na sensibilidade de cada um, quis
também, com ela, esclarecer acerca da sobrevivência da alma e a forma do
descerramento da cortina codificada que separa esses dois mundos: o bem e o
mal. Quando se fala do mal ou mundo do crime, este não precisa de senha e nem é
preciso agendar, entrar em fila, contar com a sorte, acordar cedo e pegar senha
para ser morto. Será que existem senhas? A possibilidade de recomeço e de viver
está disponível o tempo todo, na maior parte dos casos. Mas não é tão bem
assim. Tem lá seus mistérios que somente a polícia cabe desvendar. Há casos de
existência de senhas ou códigos que vêm sem embrulho, apenas com a ordem de
matar. E os cumpridores da ordem soltam bravatas e matam apenas para ouvir o
gemido do desafeto. Não mostram nenhum constrangimento. Ficam tranqüilos como
se fosse normal o ato criminoso que cometeram. Curtem a façanha criminosa, riem
para as câmaras, debocham, desdenham da polícia e esta ao soltar o menor
infrator ou criminoso sem o fragrante delito, crítica a nossa frágil lei penal.
Tenho
acompanhado com a máxima atenção o aumento dos crimes cometidos por menores,
tráfico de drogas, estupro e assassinatos. É comum nestes crimes a constatação
de que tem o mesmo resultado, independentemente de idade do infrator, e a total
impossibilidade de fazer com que o criminoso pague pelos seus crimes. O menor
estupra, espanca, trafica, mata é protegida pelo Estatuto do Menor e da
Adolescência. A polícia prende a justiça manda soltar. O povo pede o fim da
impunidade, leis mais severas, mas os políticos continuam sentados em seus
gabinetes refrigerados e nenhuma providência toma, alguns, ainda, dizem que
esta Lei é de “primeiro mundo”. Grande besteira! No primeiro mundo o menor
criminoso é julgado como adulto e punido de acordo com o crime cometido. Lá, no
verdadeiro primeiro mundo, um assassino é um assassino. A maioridade penal
nesses países varia entre 7 a 14 anos, e aí pergunto: será somente o Brasil que
está certo ou é o primeiro mundo que está errado?
Quantos tiveram mortes anunciadas, encomendadas ou
premeditadas pelos seus desafetos? Muitos eu creio e isso vem ocorrendo
diariamente. Basta ler os jornais ou assistir a TV. E quando falo em senhas e
códigos, que são palavras previamente
convencionadas entre as partes como forma de reconhecimento, que não é a
situação em comento, em todo caso, me fez
lembrar de certo menino, o Ítalo Pezão, pertencente à classe média baixa, de
cabelos longos caídos sobre o ombro; usava uniforme impecavelmente limpo,
mochila jeans surrada e no seu semblante, a imensa solidão que o precedia. Era
silencioso até nos passos. Não discutia, não falava com ninguém. Algumas vezes,
com o olhar absorto, ficava parado à beira do alambrado olhando o vazio. Não
era um aluno bom, nem ruim. Passava sempre nas matérias, mas não fazia
trabalhos em grupo. Não se misturava com ninguém… No esporte, principalmente o
futebol, que praticava no chão batido, era diferente, sentia-se no seu habitat.
Lá ele fazia a bola rolar com maestria, cadenciava as jogadas para municiar os
companheiros e possuía um chute desconcertante, certeiro. Era o artilheiro do
time. Lá podia sair um pouco do seu silêncio, balbuciava algumas palavras,
mesmo sabendo que todos ouviam o seu silêncio. Antes de cada jogo, à beira do
campo, sonhava um dia calçar chuteiras coloridas e se tornar um Ronaldo, um
Neymar, um Kaká, um Lionel Messi... Pura ingenuidade. Em nosso país onde paira
a corrupção generalizada, onde acontecem coisas que nos deixam indignados, onde
parece não ter importância ser honesto e dignidade é uma mera retórica, sabia
ser difícil. E é realmente difícil, pois vivemos diante de um confronto social
difícil e violento quando saímos às ruas, e pior ainda, é quando se vive numa
grande cidade, como a nossa, onde pouco se pode fazer. Você dá de cara com
crianças maltrapilhas que são obrigadas pelos pais viciados e paupérrimos a
mendigar. Nem precisamos andar muito pela cidade e logo damos de cara com gente
de todas as idades, passando fome, doentes, drogadas, algumas com feridas
esparramadas por todo o corpo, faixas de publicidade no pescoço, às vezes,
mutilados de uma guerra apenas quixotesca. Nas esquinas, nas pontes e postes,
dentro de caixas, atrás de muros, junto com os ratos de esgoto, ficam ali
jogados os pacotes de lixo-gente. Muitos deles aprendem e sobrevivem com seus
vira-latas como se estivessem sendo empurrados pela mão invisível do destino.
A
história de Ítalo Pezão é ficcional, mas extraída de fatos reais e se existir
crime idêntico, é mera coincidência. Mas é fato. O jovem além calado era
arredio, sorumbático. Possuía olhos castanhos profundos e penetrantes que
substituíam as palavras. Ele dava medo, às vezes. Todos tinham pena, muita
pena, dele. Olhavam para ele e viam nele somente tristeza. O olhar profundo
lembrava desesperos, parecia pedir socorro, mas ninguém durante sua existência
tinha parado para escutá-lo. Esta é a pior cegueira da sociedade que não vê, ou
finge não enxergar; surda, ou finge não ouvir; muda, mas que não admite ser;
mentirosa, porque engana a si própria. Quanta vez esperou que alguém lhe
estendesse a mão, quanta vez olhou para quadro negro tentando decifrar o significado
por trás de cada palavra ali exposta pelo mestre; quanta vez leu e releu na
esperança enxergar um gesto cordial, uma frase qualquer que pudesse significar
que a sociedade não estava fingindo de cega ou de surda. Nada. Ítalo se viu tão
solitário assim como suas idéias se tornaram incompreensíveis.
Certo
dia, num campinho de periferia, por insistência de uns “amigos”, cheirou pela
primeira vez o pó, depois cocaína e crack. Tornou-se um viciado. A droga o
deixava meio maluco e suas pupilas dilatavam, ficava excitado e suava
intensamente. Começou aí a decadência do menino bom de bola; sua vida deixou de
florescer e conseqüentemente, veio à dificuldade de retirar dela os galhos
podres para poder sobreviver com mais dignidade e escapar dos percalços
nefastos que o vício lhe impôs. Infelizmente não conseguiu. Certo dia, ao
denunciar um traficante que o perseguia por não pagar uma pequena quantidade de
“pedras” de crack que comprara, recebeu como recado a sentença de morte. E foi
numa manhã primaveril. Eu como de costume, peguei o jornal e logo vi estampado
na capa em letras garrafais à notícia sobre a morte de um jovem e que seu corpo
fora encontrado num beco escuro: Era o de Ítalo Pezão. Se fora um crime
premeditado ou encomendado, para a polícia não havia dúvidas. Ele recebeu
vários tiros à queima-roupa, e no peito, um recibo de quitação, cuja assinatura
fora substituída por uma caveira, símbolo da morte. Senha, código ou não, a
data e hora de sua morte ficou registrada naquele pedaço de papel.
0 comentários:
Postar um comentário