Existem senhas para mortes encomendadas ou premeditadas?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A imortalidade é algo intuitivo na criatura humana. No entanto, muitos têm medo, porque desconhecem inteiramente o processo e o que nos espera no mundo espiritual. O título desta crônica parece meio estranho, mas assim o fiz no intuito de alertar as autoridades quanto aos temores vividos pela sociedade de um modo geral e inibir os constrangimentos e medos que a perturba dia a dia. De forma racional e sem querer interferir na sensibilidade de cada um, quis também, com ela, esclarecer acerca da sobrevivência da alma e a forma do descerramento da cortina codificada que separa esses dois mundos: o bem e o mal. Quando se fala do mal ou mundo do crime, este não precisa de senha e nem é preciso agendar, entrar em fila, contar com a sorte, acordar cedo e pegar senha para ser morto. Será que existem senhas? A possibilidade de recomeço e de viver está disponível o tempo todo, na maior parte dos casos. Mas não é tão bem assim. Tem lá seus mistérios que somente a polícia cabe desvendar. Há casos de existência de senhas ou códigos que vêm sem embrulho, apenas com a ordem de matar. E os cumpridores da ordem soltam bravatas e matam apenas para ouvir o gemido do desafeto. Não mostram nenhum constrangimento. Ficam tranqüilos como se fosse normal o ato criminoso que cometeram. Curtem a façanha criminosa, riem para as câmaras, debocham, desdenham da polícia e esta ao soltar o menor infrator ou criminoso sem o fragrante delito, crítica a nossa frágil lei penal.

Tenho acompanhado com a máxima atenção o aumento dos crimes cometidos por menores, tráfico de drogas, estupro e assassinatos. É comum nestes crimes a constatação de que tem o mesmo resultado, independentemente de idade do infrator, e a total impossibilidade de fazer com que o criminoso pague pelos seus crimes. O menor estupra, espanca, trafica, mata é protegida pelo Estatuto do Menor e da Adolescência. A polícia prende a justiça manda soltar. O povo pede o fim da impunidade, leis mais severas, mas os políticos continuam sentados em seus gabinetes refrigerados e nenhuma providência toma, alguns, ainda, dizem que esta Lei é de “primeiro mundo”. Grande besteira! No primeiro mundo o menor criminoso é julgado como adulto e punido de acordo com o crime cometido. Lá, no verdadeiro primeiro mundo, um assassino é um assassino. A maioridade penal nesses países varia entre 7 a 14 anos, e aí pergunto: será somente o Brasil que está certo ou é o primeiro mundo que está errado?

Quantos tiveram mortes anunciadas, encomendadas ou premeditadas pelos seus desafetos? Muitos eu creio e isso vem ocorrendo diariamente. Basta ler os jornais ou assistir a TV. E quando falo em senhas e códigos, que são palavras previamente convencionadas entre as partes como forma de reconhecimento, que não é a situação em comento, em todo caso, me fez lembrar de certo menino, o Ítalo Pezão, pertencente à classe média baixa, de cabelos longos caídos sobre o ombro; usava uniforme impecavelmente limpo, mochila jeans surrada e no seu semblante, a imensa solidão que o precedia. Era silencioso até nos passos. Não discutia, não falava com ninguém. Algumas vezes, com o olhar absorto, ficava parado à beira do alambrado olhando o vazio. Não era um aluno bom, nem ruim. Passava sempre nas matérias, mas não fazia trabalhos em grupo. Não se misturava com ninguém… No esporte, principalmente o futebol, que praticava no chão batido, era diferente, sentia-se no seu habitat. Lá ele fazia a bola rolar com maestria, cadenciava as jogadas para municiar os companheiros e possuía um chute desconcertante, certeiro. Era o artilheiro do time. Lá podia sair um pouco do seu silêncio, balbuciava algumas palavras, mesmo sabendo que todos ouviam o seu silêncio. Antes de cada jogo, à beira do campo, sonhava um dia calçar chuteiras coloridas e se tornar um Ronaldo, um Neymar, um Kaká, um Lionel Messi... Pura ingenuidade. Em nosso país onde paira a corrupção generalizada, onde acontecem coisas que nos deixam indignados, onde parece não ter importância ser honesto e dignidade é uma mera retórica, sabia ser difícil. E é realmente difícil, pois vivemos diante de um confronto social difícil e violento quando saímos às ruas, e pior ainda, é quando se vive numa grande cidade, como a nossa, onde pouco se pode fazer. Você dá de cara com crianças maltrapilhas que são obrigadas pelos pais viciados e paupérrimos a mendigar. Nem precisamos andar muito pela cidade e logo damos de cara com gente de todas as idades, passando fome, doentes, drogadas, algumas com feridas esparramadas por todo o corpo, faixas de publicidade no pescoço, às vezes, mutilados de uma guerra apenas quixotesca. Nas esquinas, nas pontes e postes, dentro de caixas, atrás de muros, junto com os ratos de esgoto, ficam ali jogados os pacotes de lixo-gente. Muitos deles aprendem e sobrevivem com seus vira-latas como se estivessem sendo empurrados pela mão invisível do destino.

A história de Ítalo Pezão é ficcional, mas extraída de fatos reais e se existir crime idêntico, é mera coincidência. Mas é fato. O jovem além calado era arredio, sorumbático. Possuía olhos castanhos profundos e penetrantes que substituíam as palavras. Ele dava medo, às vezes. Todos tinham pena, muita pena, dele. Olhavam para ele e viam nele somente tristeza. O olhar profundo lembrava desesperos, parecia pedir socorro, mas ninguém durante sua existência tinha parado para escutá-lo. Esta é a pior cegueira da sociedade que não vê, ou finge não enxergar; surda, ou finge não ouvir; muda, mas que não admite ser; mentirosa, porque engana a si própria. Quanta vez esperou que alguém lhe estendesse a mão, quanta vez olhou para quadro negro tentando decifrar o significado por trás de cada palavra ali exposta pelo mestre; quanta vez leu e releu na esperança enxergar um gesto cordial, uma frase qualquer que pudesse significar que a sociedade não estava fingindo de cega ou de surda. Nada. Ítalo se viu tão solitário assim como suas idéias se tornaram incompreensíveis.

Certo dia, num campinho de periferia, por insistência de uns “amigos”, cheirou pela primeira vez o pó, depois cocaína e crack. Tornou-se um viciado. A droga o deixava meio maluco e suas pupilas dilatavam, ficava excitado e suava intensamente. Começou aí a decadência do menino bom de bola; sua vida deixou de florescer e conseqüentemente, veio à dificuldade de retirar dela os galhos podres para poder sobreviver com mais dignidade e escapar dos percalços nefastos que o vício lhe impôs. Infelizmente não conseguiu. Certo dia, ao denunciar um traficante que o perseguia por não pagar uma pequena quantidade de “pedras” de crack que comprara, recebeu como recado a sentença de morte. E foi numa manhã primaveril. Eu como de costume, peguei o jornal e logo vi estampado na capa em letras garrafais à notícia sobre a morte de um jovem e que seu corpo fora encontrado num beco escuro: Era o de Ítalo Pezão. Se fora um crime premeditado ou encomendado, para a polícia não havia dúvidas. Ele recebeu vários tiros à queima-roupa, e no peito, um recibo de quitação, cuja assinatura fora substituída por uma caveira, símbolo da morte. Senha, código ou não, a data e hora de sua morte ficou registrada naquele pedaço de papel.



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