Depois da chuva

sábado, 7 de novembro de 2015


Lá se foram dias, meses e porque não dizer anos. Naquele pedaço de chão onde meu pai usava enxadas e enxadões para o plantio não existe mais. Virou terreno arenoso, seco, infértil. Uma tristeza infinda abateu sobre o meu coração. Adentrei ao casarão construído de puro adobe e assoalho de tábuas e afrouxei a tramela. A janela, obediente, abriu sem o mínimo manuseio de minhas mãos. Olhei rumo ao poente e nem vi árvores nenhuma importunar o pôr do sol. Os regos d’água não mais existiam. Nada à minha frente, apenas a natureza devastada. Da janela há muito tempo vazia de gente, nem sinal de gotas de chuva ou de orvalho que outrora molhavam as folhas e o vão quadriculado da madeira de angico. A secura do tempo não as permitiu voltar como não voltaram os meus pensamentos que jaziam num canto qualquer daquele casarão. Olhei mais uma vez para a imensidão que parecia regozijar diante de mim e viajei imaginariamente... Meus pensamentos voaram alto, foram longe, bem distante. Voltei aos tempos de criança e como a um flash, logo me vi brincando nas pradarias, subindo nas cercas feitas de lenha, nos pés de jabuticaba e das mangueiras floridas de verão. Sentia o passado se impregnar em minha pele, previa o futuro entrelaçado entre os meus dedos e a sintonia do universo pairando sobre minha essência e algo me dizia que um raio se abriria timidamente no afã de me mostrar no fim daquele resplendor alaranjado que toda a minha vida se passou e eu nem tinha percebido, todos os meus suspiros se ecoaram sucumbidos pelo vento e tudo que via era a figura de uma menina-moça que, timidamente, se aproximara de mim com um jeito acanhando, mas possuidora de um olhar penetrante, ora trazendo-me receios, ora ansiedade, que depois se misturaram com a sensação de bem estar. Daquela janela via minha vida passar veloz como a luminosidade solar, mas algo novamente veio me dizer o porquê daquela menina fazer brilhar meus olhos, o meu coração bater sem compasso e suspirar...

Debrucei-me sobre o vão e agucei meu pensamento. Eles iam e voltavam na velocidade da luz e num repente, senti sobre o rosto sutis gotas de chuva que escorriam levemente sobre a madeira da janela. Vi uma translúcida luz que vinha do céu despertando-me para a vida e o belo anoitecer surgir. Escancarei um sorriso repleto de mim mesmo, daqueles autênticos vindos da alma e sai terreno afora. Sai em busca daquilo que sempre sonhei, sai em busca de mim. Meus olhos brilhavam, o tempo passava lentamente, a noite parecia que seria gigantesca e a lua mais que depressa veio para me acalentar. Os sons eram suaves, o entardecer mais bonito e a brisa refrescante, que ingenuamente, acariciava meu rosto. Quando amamos a vida ela nos ama de volta, quando fazemos o bem, ela nos traz o bem, quando preenchemos o vazio, a vida afasta a solidão. Por isso, amem-se, tenha ou não prenúncio de gotas. Seja o tempo frio ou chuvoso, amem-se. Sendo quente ou abafado, amem-se. Pois um dia de tanto se amar as pessoas também aprenderão, assim é a vida, viva o bem, pois que mal tem?

Depois da chuva, pegue as gotas de orvalho que se agasalham nas folhas e façam delas pequenos diamantes, e com esses diamantes, brincos e colares e os usem para enfeitar sua amada, mas não as deixe cair. Pegue um copo e enche-o de gotas e verás que não tem cheiro algum, beba uma gota e perceba que seu sabor não remete a nada, a não ser a própria água, pois em copo transparente ela é translúcida e diante do horizonte pode ser percebido por entre esse conjunto de verdades, então, me permita levar o seu dedo indicador até a superfície desse líquido para que sinta o frescor e sua pureza. Se puder, procure perceber essa transformação surreal e se você tiver a capacidade transformar-se, verás que, tudo se faz em tom mais escuro o sabor é de aceitável amargor, mas, mirando-o rumo ao horizonte, não se verá mais que um copo meio taça, como aquele vinho que a gente toma para engolir mentiras ou tirar da alma o vil metal que passa cortando bem profundo a espinha das inverdades que nos incomoda. Se um dia voltar a descansar no parapeito da janela como eu fiz, lembre-se que: aquelas gotas de chuva que pousavam nas folhagens como se fossem regras, para elas bastava apenas uma palavra, apenas um "balançar na folha", para tudo vir à tona, e cair...!


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