A hora e a vez de Augusto Matraca

terça-feira, 19 de junho de 2012

Ao ler esta crônica peço aos queridos leitores para não confundir o título acima com um filme nacional rodado nos cinemas há mais de trinta anos, ou mesmo com um instrumento de percussão formado por tabuinhas movediças, ou argolas de ferro que, ao serem agitadas, percutem a prancheta em que se acham presas e produzem uma série rápida de estalos secos. E se você já passeou numa mata fechada pode ter a certeza de que também não é aquela ave passeriforme da família dos famicarídios que habita no sudeste do Brasil.

Esta crônica também não é destinada a falar sobre a matraca, um instrumento muito usado na roça para o plantio de sementes. Hoje, este nome que passou por várias gerações, o povo sarcasticamente o usa de forma pejorativa e até cômica como meio de separar as pessoas educadas, responsáveis e éticas, das tagarelas, das faladoras e daquelas já apelidadas de “matracas”.

A história que vou contar de forma ficcional, foi extraída de fatos que a gente lê e vê em jornais, rádio e televisão, onde pessoas se aproveitam e espalham notícias truncadas, espalhafatosas, sobre crimes de colarinho branco, improbidade administrativa, sequestros, corrupção, e outras nuances, e que se eu tivesse que descrevê-las, uma a uma, gastaria mais de uma página para concluir este artigo.

O Augusto, personagem desta história, era um político que se achava um cara respeitado, de ilibada conduta, ético, venerado, o magnífico, o máximo... Ninguém ousava contrariá-lo ou subjugá-lo porque se isso viesse a acontecer, esse alguém estava perdido... Lembro-me bem. Era uma tarde de sábado e o sol quente descia manso no horizonte iluminando aquele pedaço de chão poento de uma rua periférica. Naquele dia estava encostado num balcão de um bar quando ouvi um grupo de pequenos agricultores dialogando sobre política e das mazelas praticadas por autoridades públicas e empresariais. Fiquei ali, quieto, prestando atenção naquele debate popular, até certo ponto caloroso, naquela pequena mesa de bar.

No canto esquerdo, com um pito de cigarro de palha no canto da boca e com o rosto já carcomido pelas intempéries do tempo, um senhor de cabelos grisalhos, aparentando ter cinquenta e poucos anos de idade fez um breve comentário e depois perguntou a outro que se encontrava ao seu lado direito:

- Sabe Zé, já num guento mais ouvir falá de política. Logo de manhã, quando ligo o meu radinho de pilha, só escuto falação contra governo. É cobrança prá cá, é cobraça pra lá e eles nem dão chance pru home se defendê. Num dão tempo nem pró governante cumpri suas promessas. Mas também num pudemos deixá de dizê que tem político meteno a mão nos cofres públicos, e alguns, até em dinheiro dos próprios companhêros. E quando a gente pensa que tudo vai acabá, vem outro assunto: a tal de CPI. Que coisa sô! Aonde vamos pará?

- É Mundin, a coisa tá ficando feia mesmo! Veja quantos home foram derrotados por causa disso. Num respeitaro o povo e levaro “tinta”. Eles acham que somos bobos. Bem que existem alguns que votam mal e acabam mantendo os políticos corruptos no poder.

- E o caso do “Mensalão” que foi uma troca de propina danada no governo Lula, será que o povo vai isquecê? – perguntou o Zé.

-É. Penso que não! Se eles estiverem achano, vão levar “tinta” também. – Respondeu Quincas.

- Cumpadi Mundim, tem muito político também falano demais por aí. São aqueles que chamamos de “matracas”, pois falam até escumar o conto da boca e nada produzem para o nosso Brasil. Num apresenta proposta concreta de mudança. Só falam, falam... e muitas vezes, até oram agradeceno a Deus pelas propinas recebidas em razão das “negociatas” de seus superiores.

- Concordo cocê Quincas.  Só falam e realmente num apresenta nada de novo. Muitos usam a pobreza para angariar votos, dando-lhes míseras ajudas, mas esquecem de que todos querem é trabalhar, um emprego digno para sustentar suas famílias com seus próprios esforços. Serem úteis à sociedade em que vivem.

- Ocêis têm razão, a hora e a vez dos “matracas” e corruptos estão chegano. Espero que desapareçam com essa tal CPMI da “Cachoeira”. Espero que todos se atolem até o pescoço nesse poço de lama!

- Uái! O que é isso sô? – Perguntou Chico que ainda estava quietinho noutro canto.

- Ocê num tá ouvino falá no home que dominava o jogo dos bingos e tava comprando todo o mundo prá se aproximá do podê? – Interceptou Quincas.

- É cumpadi Quincas, ouvi sim, mais me confundi. Pensei que estavam falano da pequena queda d’água lá da minha fazenda. Estou falano “queda d’água” porque se falá a palavra “Cachoeira” dizem que se alguém escutá ou gravá pode nos dedurá na CPMI.

- Onti, assisti a uma caminhada de uns home e muiés jovens, com as caras pintadas e usando uns narizinhos de palhaço. Faziam um barúi danado e até pararam o trânsito que já é caótico, deixando muitos motoristas nervosos que os chamavam de “baderneiros.”

- Chico. – Disse emocionado o boiadeiro Amaro, filho de Quinas, formado em veterinária. – Muitas vezes eles pintam o rosto e usam nariz de palhaço para esconder suas verdadeiras identidades. Alguns deles são assessores de políticos adversários do Governo. Há interesses escusos detrás destas manifestações. Pode observar que ao invés de falarem em combater a corrupção de um modo geral, atacam somente uma pessoa e esquece que outros, filiados de seus próprios partidos, fizeram e fazem parte de um esquema de corrupção que vem ocorrendo no Brasil. Além de um apagão moral e ético sem precedentes, está ocorrente também um apagão de ideias. Não é indo às ruas pedindo a saída somente de “fulano” ou “sicrano” que vamos moralizar este País. A coisa é mais séria do que aquilo que pensamos. Temos que fazer uma “varredura” e eliminar este vírus corruptivo que está contaminando o Brasil.

O tempo passou, a noite tomou o dia e o céu ficou pintado de estrelas. No bar, agora iluminado por lâmpadas de mercúrio, eles nem contabilizavam as garrafas vazias de cerveja e continuavam discutindo. Enquanto trocavam “ideias”, imagens iam e voltavam na velocidade da luz, trazendo à minha mente algumas situações políticas vivenciadas no passado e que, de algum modo, me fez enxergar na maneira simples daqueles trabalhadores rurais, que o povo tinha razão. Numa mesa ao lado, também nem tinha percebido. Estava Augusto, mais conhecido como “Matraca”, político astuto, um “manda chuva”, que se considerava o maior, arrotava ética e dizia possuir uma conduta moral impecável, mas naquele momento estava cabisbaixo, com o olhar absorto e semblante pensativo. Observei que ele ouvia atentamente o bate-papo daqueles humildes trabalhadores, que demonstravam muito conhecimento e bastante discernimento político, por mais que a língua portuguesa fosse maltratada durante aquela discussão acalorada.


Augusto, com certo receio de ser reconhecido, pediu a conta, pagou com cheque como de costume, talvez sem o formato de um bumerangue e saiu de mansinho. Pelo semblante preocupado, observei que as palavras daqueles senhores tinham tocado profundamente sua consciência e sensibilidade, afinal, até pouco tempo, ele detinha pleno poder, mas, agora, estava ali, sozinho numa mesa de bar, sem a atenção e olhares daqueles que outrora o acompanhava e bajulava e que, muitas vezes, suas ações, boas ou ruins, dependiam de sua astúcia.

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