Se eu não
fosse uma pessoa estressada por natureza enfrentaria aquele trânsito infernal
sem lamúrias. E o pior é que moro apenas três quilômetros do centro da cidade e
faço sempre o mesmo percurso todos os dias para chegar ao trabalho, mas,
naquele dia, em virtude de uma obra, tive que mudar o trajeto e passar por outro
local onde tive o desprazer de deparar com enormes outdoors que mostravam
mulheres seminuas e outros, anunciavam aniversário de quinze anos da uma casa
de prostituição. Pensei com meus botões: Nestes cartazes deveriam anunciar shows
para arrecadação de alimentos para as pessoas que estão passando fome, ou de
combate a violência, a drogas e à própria prostituição, e não anúncios
oferecendo “serviços” de mulheres, cuja propaganda nada mais é do que uma
agressão à família. Estupefato, continuei o meu trajeto e ao chegar ao centro,
com o pensamento amalucado, tive dificuldade também de achar um lugar para
estacionar o carro. Olhei para o céu e vi que o sol estava bastante declinado
com o beiço cheio de fogo que parecia beijar a terra. Para azucrinar mais a
minha tolerância, logo atrás do meu veículo, um apressadinho começou a buzinar
e abrir a boca cheia de dentes cariados, e com um sorriso sarcástico,
gritava palavras grosseiras que tropeçavam em consoantes indecifráveis. Com os
nervos à flor da pele, mas tentando manter o pensamento firme, enchi o peito de
ar e respirei fundo. Respirei mais uma vez, puxei o ar novamente para dentro
dos pulmões e o soltei, depois, fui surpreendido e envolto por um temporal de
perdigotos vindos da boca daquele indivíduo que minutos antes fazia de tudo
para tirar-me a quietude percutindo sobre meus ouvidos aquela voz estridente e
sons que mais pareciam cascos de mulas trotando sobre paralelepípedos. Naquele
instante procurava evitar que alguém reparasse a minha ansiedade e também não
me tornasse ridículo como a uma carranca de chafariz a cuspir água, num mugido
aquático confuso. Olhei para os lados, entrei num pequeno espaço sombreado de
uma árvore centenária, manobrei o veículo, balancei a cabeça meio atordoada, emitindo
um sinal de sim e não, como se eu estivesse fazendo um resumo daquelas cenas
grotescas como forma de reportar nas páginas da vida aqueles gestos vagos. Como
a um prisioneiro de palavras complexas desatei o cinto de segurança, peguei a
caneta, um pedaço de papel e procurei resumi-la elaborando um texto provável, e
sem erguer as sobrancelhas consegui reduzir aquela situação em poucas palavras,
e desdenhosamente, encolhi os ombros para não enredar-me numa teia de frases
sem nexo.
Lembrando
daquela língua abarrotada de saliva e de palavras inapropriadas, desci do
veículo, ergui os braços desapertei a gravata que sufocava o meu pescoço,
peguei o lenço no bolso do paletó e abafei aquelas estranhas gotas de suor, espelhadas,
que desciam mansas e penetravam no canto da boca misturando-se ao suco de limão
servido por aquele boteco da praça, cujo ato foi presenciado por um par de olhos famintos
de um menino de rua, que lacrimejavam dor, lágrimas que desciam devagarzinho
pela sua bochecha franzina e que sabia não ter chão para ampará-las, ou
talvez, de seus olhos, não saíssem apenas lágrimas.
O
sol queimava a lataria do veículo sem dó e o suor, brotava entre as células
molhando minha camisa, deixando-me exausto naquele dia em que o povo se
movimentava nas ruas comemorando alguma coisa ou manifestando não sei o quê. E as gotas, que hora tornavam-se
cintilantes e hora não, mais pareciam obras de ficção e sabiam como escorrer sobre
a face e às vezes, eram levadas pelo vento esvaindo-se no espaço sem
espatifar-se no chão. O
meu corpo em chamas sentia mergulhar em águas profundas enquanto aquela pessoa
que esbravejara, coincidentemente, parou o seu carro ao meu lado e nele trazia plotado
sobre o capô uma enorme caveira intimidadora, e aí, sem mais delongas e
despistando o acontecimento anterior, perguntou-me o que achava do calor. Notei
que se tratava de uma pessoa questionadora e que gostava de esbravejar contra
tudo e contra todos, até mesmo contra o tempo que estava realmente abafado e
quente. Com a língua em forma de gravata, parecia querer abrir a torneira do
tempo para se esconder debaixo de uma água imaginária. Eu, sem medo de
procrastinar em lume porque o calor era realmente insuportável que fazia latejar
meu cérebro, não dei ouvidos e aquietei-me à sombra daquela árvore, pois
quando a gente está feliz nem
repara se o calor é proveniente de solstício de inverno ou de verão.
Os meus
pensamentos iam e voltavam na velocidade da luz e diante de tantas informações
captadas guardadas na região recôndita do meu cérebro não vi alternativa senão ver
aquele trânsito caótico modificado e tentar moldá-lo assertivamente orientando
que as ações governamentais fossem formadas por um conjunto de procedimentos
capazes de assegurar, e desde o início, que se faça um exame sistemático das
vias públicas, retiradas de outdoors perniciosos, sincronização de semáforos, não
importa em que locais, com propostas e alternativas capazes de provocar
resultados satisfatórios e seja apresentada adequadamente aos usuários de
veículos, assim como aos não usuários de forma plausível, vez que eu e eles
somos e continuaremos sendo o público alvo que motiva e continuarão motivando
mudanças, sejam ou não através de manifestações nas ruas.
Descansado, prossegui,
pois o trabalho me esperava. De repente, me vi diante de outros motoristas na
mesma situação, um alvoroço total, e aí, não foi possível desviar o olhar e nem
escapar dos olhares deles, por mais que tentava. Adentrei ao prédio e apertei o
botão do elevador e nada. E o tempo foi passando e nada... Suava bastante e preocupado
com as horas mortas apertei novamente o botão. Era como tivesse apertado um
acionador de míssil, pois em seguida, não sei como, ocorreu um estrondo
ensurdecedor. Assustado, acordei. Atônito, olhei para o lençol amarrotado e travesseiro
molhado de suor, e aí, passei a entender claramente que eram apenas sonhos
cotidianos que há dias vinham sendo represados em minha mente.
Publicado no Diário da Manhã, edição do dia 14 de agosto de 2013
Não raras vezes nos vimos em situações onde o mal e o bem se cruzam, mas, em revoltosos tempos de pura selvageria e atitudes temerárias contra a paz que estamos assistindo na sociedade atual, buscamos refúgio no mais profundo sentimento pacífico e de proteção pessoal. Agora não é mais um caso de polícia, é um caso de vida ou morte. Considerações amigo.
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