Elifas era
um menino pobre, de família humilde, mas, certamente, um sonhador. Foi
eletricista, encanador e num certo dia, no exercício dessa profissão, conheceu
o ceramista Divino Jorge e no seu local de trabalho deparou com uma escultura
feita por aquele mestre, e atônito, diante de tanta beleza, encantou-se com
aquela arte. Sentia que estava diante de seu próprio sonho. Via aquele
indivíduo fazer da argila e do barro bruto um verdadeiro milagre e criar figuras
indescritíveis. Era como se elas já fizessem parte do seu mundo real. E a
partir daquele dia começou a sonhar... Meteu a mão na massa e produzia as suas
próprias esculturas, algumas surreais. Tempo depois conheceu a obra do mestre
Antônio Poteiro e passou a sonhar ainda mais... Sonhou alto, e nesse espaço de
tempo diante de uma sociedade que insistia em não reconhecer sua arte, viu ocorrer
alguns pesadelos e atropelos... A partir de então fez seu próprio estilo,
passou a afundar as mãos no barro, nem sentia a meleca que saía da terra e nem
o calor causticante do sol que lhe queimava as costas franzinas, e o forno que trazia
calor infernal, ruborizava o seu rosto barbudo. Fazia potes, cerâmicas diversas
e aprendeu queimar as substâncias que sabia vir gerar o que sonhava. Quando o
tempo era frio, sentia os dedos adormecerem, mas, mesmo assim, se inebriava com
os cheiros vindos dos quintais, das gotas de chuva que caiam mansas sobre as
pequenas esculturas em forma de duendes, era uma forma que achava de hostilizar
a sociedade à época, depois, começou a esculpir corpos de mulher, retratados de
várias formas, que refletiam a força dela simbolizada por sua amada Helena.
No afã de
mostrar a sociedade o seu talento, contemplava cada estação do ano como se
fossem uma só, e o mesmo fazia em relação ao sol e a chuva, enquanto sua esposa
já o ajudava no manuseio dos barros vis colhidos sobre o chão batido que
circundava o galpão. Massageava as pequenas esculturas de anjos e figuras
sacras em placas de argila, modelava-as sem horas apropriadas. Conversava com
elas como se fossem humanas; suas mãos eram pura magia e bastava encostar os
dedos para nascerem vistosas. E pacientemente, usando os seus dedos mágicos,
parecia esperar a lenta maturação da vida... E ser escultor passou a ser seu
sonho.
Sem
dúvida que ele seria um bom oleiro, se não fosse escultor. Ao manusear o barro,
a cada toque de suas espátulas mãos, nasciam figuras de raras forças e belezas,
algumas de olhos estatelados, corpos humanos deformados, que pareciam vindos de
um mundo diferente, de outra dimensão. Suas mãos além de pintar com agilidade
sabiam massagear o barro e cavoucar a terra boa para formar o precioso barro; sabia
aproveitar as ervas naturais que se erguiam do solo e produziam botões de diferentes
cores e tonalidades, mas, também, entendia que se não fossem regadas
diariamente, murchariam, secariam, e os caules dobrariam sobre o chão seco, inertes.
Como bom
observador, sinto a voluptuosidade com que o mestre Elifas Modesto busca o céu
azul, a luz solar, o forno e o ar livre, para não deixar se curvar sobre o chão
o seu sonho, que cedo ou tarde, haverá de romper a superfície da arte e se
reerguer para a vida.
Elifas molha
o barro com as lágrimas, modela com o olhar, acalenta as esculturas com a voz,
com o deslumbramento da alma, pois, prendê-las em seu próprio habitat,
simplesmente seria uma forma de condená-las à morte.
Finalmente, quero sublinhar em forma de palavras
leigas ao nobre Elifas que ora cria a Instituto Santuário das Artes: Massageie
o barro bruto, modele-o, transfigure-o para o imaginário, porque sua obra
será sempre bela; ela será como a luz que brilha e jamais se apagará. Ela, onde estiver exposta, não será como a
noite ou o dia, que se revelam e se escondem; ela não será como as estrelas que
aparecem e desaparecem com o nascer e o pôr do sol, ou, ela não será como você
que manuseia o barro para estimular a busca do invisível e nutrir um amor fiel
e persistente de um escultor.
Publicado no Diário da Manhã, edição do dia 30 de julho de 2013
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