OS NOVOS “CARAS PINTADAS” QUE SACUDIRAM O BRASIL.

segunda-feira, 1 de julho de 2013



Enquanto aquela multidão de manifestantes caminhava pela avenida, lembrei-me da minha amiga Olga, uma linda jovem, universitária, inteligente, filha de gente humilde, que à época, com dezenove anos de idade, dada a sua inquietude, compartilhava suas alegrias, tristezas e ideais com outros jovens de sua idade. A menina de olhos azuis tinha o hábito de usar tênis brancos, caças jeans e camiseta cavada. Desde pequena era diferente das outras crianças e todo mundo notava. Era independente, inquieta, líder nata, promovia travessuras e quando havia problemas na posse onde morava sempre se colocava à frente dos debates e em defesa dos moradores.
Ao longo dos anos foi uma cara pintada e comandou protestos contra a fome e a pobreza; ainda jovem tentou reunir os menores de rua num movimento contra os maus tratos e abandono do governo. De palavra fácil usava de artimanhas para atormentar os políticos para resolver os problemas de sua comunidade. Extremamente popular, quando discursava, mostrava maturidade e conhecimento de causa e todos notava que tinha uma imaginação bastante fértil. Menina pobre, mas sem nenhuma timidez, participava de movimentos estudantis pós revolução de 1964 para defender aos mais carentes e aqueles que viviam à margem da sociedade – os excluídos. Todos viam que o destino daquela menina ia ser diferente, principalmente quando participava de debates em entidades assistenciais e não governamentais.
Hoje, ao invés de continuar assistindo a TV resolvi abrir as páginas amareladas pelas intempéries tempo para mostrar a vida de Olga, jovem que lutava bravamente para destruir o vergonhoso papel da fome, da violência, da miséria, da corrupção e da inflação galopante. Por mais que minha mente neste momento tentasse inserir questões solúveis na região recôndita do meu cérebro; por mais que cutucasse a minha sensibilidade, a minha altivez e virtude há momentos em que o meu apelo, por mais dramático que seja ou receba uma sinalização mais forte de algum representante dos excluídos, sei que jamais lograria êxito e não sustaria o prolongado torpor em que mergulhava a sociedade brasileira naquele período ditatorial. O vergonhoso papel da fome, da violência, da miséria, da inflação galopante e corrupção generalizada, continuariam longe de ser varrida de nosso País em razão da desonestidade de nossos governantes, da falta de vontade política em resolver certas questões urgentes, além é claro, dos descasos com a classe dominada.
Não resisto à emoção que invade o meu peito ao ver aquela multidão, e assim, volto os olhos e os fixo na TV. Vejo rostos pintados em verde e amarelo, alguns com nariz de palhaço levantando cartazes com reivindicações escritas em simples cartolina; questionamentos que se não forem resolvidos, jamais as manifestações serão atenuadas e pelo contrário, poderão ampliar essa revolta para outros setores da atividade pública. E é real o que se escancara diante de nossos olhos: o panorama de gritantes tradições que alimentavam e ainda alimentam e fazem crescer as riquezas e pobrezas do mundo, estas últimas em maior escala e tudo isso ocorre em razão da corrupção generalizada que sempre foi o maior estopim que sempre gerou e continuam gerando manifestações. Dados estatísticos mostram a realidade, que nem merecem ser comentadas, mesmo porque, por si só, eles são suficientemente eloqüentes para clamar por justiça e abalar os reais fundamentos e a indiferença que campeia no mundo político. Esses homens públicos nem constatam ou não interessam saber que a desnutrição dos famintos é o desperdício e a indiferença dos saciados, e o que mais revolta e nos deixa indignados, é sentir que a pobreza de uns, a miséria absoluta de outros nem toca a sensibilidade dos abastados e dos poderosos que nada fazem para extirpar as causas da pobreza no mundo e quando fazem é de forma abusiva, até riem da situação do povo e nem corados ficam; usam desse subterfúgio para ludibriar a pobreza com uma propaganda extemporânea que nada mais é do que crime eleitoral e fazem de tudo para perpetuá-la, alicerçando todo o seu poder e sua prosperidade na penúria e na expropriação da imensa maioria dos descamisados com oferecimento de “Bolsas” de todo tipo e programas de casas mal construídas, esquecendo que a pessoa humana quer apenas escola, transporte, saúde, segurança, trabalho e serviços públicos dignos. 
Tempos idos Olga deixou este mundo desiludida e foi para outra dimensão, mas hoje vejo que a sua luta não foi em vão. Parecia estar ali no meio daquela multidão, pois em cada rosto via refletir o seu. Os novos “caras pintadas” que agora tomavam as ruas das cidades e que antes protestavam somente contra tarifas de transporte, agora ampliam o leque de reivindicações: combate a corrupção, contra a falta de investimentos em segurança, melhoria na educação e saúde, e gastos com a Copa do Mundo. Na pauta incluíram até a PEC 37 que retirava o poder de investigação criminal do Ministério Público. São manifestações legítimas, embora muitas tenham terminado com atos de vandalismo, mas, neste caso pouco importa, pois os maiores vândalos são os políticos e governos corruptos, os improbo que se apossam do dinheiro público e dão maus exemplos para essa juventude baderneiras. A presidenta Dilma assustou com a situação, se pronunciou anunciando diversas medidas, dentre as quais, a reforma política, e no Congresso Nacional, parlamentares que desejavam acabar como o poder do MP, com medo de represálias, votou contra a aprovação da PEC 37 e aprovaram mais recursos públicos para a saúde e a educação. E não vai ficar só nisso aí, as manifestações assustaram e continuarão assustando os três poderes da República. As manifestações foram incentivas para assustarem os políticos e serão capazes de criar uma densa e ampla inquietação social em todo o território nacional e entre os variados segmentos socioeconômicos se não acabar de vez com essa doença chamada corrupção. Estas manifestações por si só já representam inquietação social com o “sistema”, este reconhecido como um conjunto de problemas que não serão resolvidos somente pelos atores políticos. O eleitor também responsável, pois ele é que escolhe o governante.

Publicado no Diário da Manhã, edição do dia 3 de julho de 2013.

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