Enquanto
aquela multidão de manifestantes caminhava pela avenida, lembrei-me da minha
amiga Olga, uma linda jovem, universitária, inteligente, filha de gente
humilde, que à época, com dezenove anos de idade, dada a sua inquietude, compartilhava
suas alegrias, tristezas e ideais com outros jovens de sua idade. A menina de
olhos azuis tinha o hábito de usar tênis brancos, caças jeans e camiseta cavada.
Desde pequena era diferente das outras crianças e todo mundo notava. Era independente,
inquieta, líder nata, promovia travessuras e quando havia problemas na posse
onde morava sempre se colocava à frente dos debates e em defesa dos moradores.
Ao
longo dos anos foi uma cara pintada e comandou protestos contra a fome e a
pobreza; ainda jovem tentou reunir os menores de rua num movimento contra os
maus tratos e abandono do governo. De palavra fácil usava de artimanhas para
atormentar os políticos para resolver os problemas de sua comunidade.
Extremamente popular, quando discursava, mostrava maturidade e conhecimento de
causa e todos notava que tinha uma imaginação bastante fértil. Menina pobre,
mas sem nenhuma timidez, participava de movimentos estudantis pós revolução de
1964 para defender aos mais carentes e aqueles que viviam à margem da sociedade
– os excluídos. Todos viam que o destino daquela menina ia ser diferente,
principalmente quando participava de debates em entidades assistenciais e não governamentais.
Hoje,
ao invés de continuar assistindo a TV resolvi abrir as páginas amareladas pelas
intempéries tempo para mostrar a vida de Olga, jovem que lutava bravamente para
destruir o vergonhoso papel da fome, da violência, da miséria, da corrupção e da
inflação galopante. Por mais que minha mente neste momento tentasse inserir
questões solúveis na região recôndita do meu cérebro; por mais que cutucasse a
minha sensibilidade, a minha altivez e virtude há momentos em que o meu apelo,
por mais dramático que seja ou receba uma sinalização mais forte de algum
representante dos excluídos, sei que jamais lograria êxito e não sustaria o prolongado
torpor em que mergulhava a sociedade brasileira naquele período ditatorial. O
vergonhoso papel da fome, da violência, da miséria, da inflação galopante e
corrupção generalizada, continuariam longe de ser varrida de nosso País em
razão da desonestidade de nossos governantes, da falta de vontade política em
resolver certas questões urgentes, além é claro, dos descasos com a classe
dominada.
Não
resisto à emoção que invade o meu peito ao ver aquela multidão, e assim, volto
os olhos e os fixo na TV. Vejo rostos pintados em verde e amarelo, alguns com
nariz de palhaço levantando cartazes com reivindicações escritas em simples
cartolina; questionamentos que se não forem resolvidos, jamais as manifestações
serão atenuadas e pelo contrário, poderão ampliar essa revolta para outros
setores da atividade pública. E é real o que se escancara diante de nossos
olhos: o panorama de gritantes tradições que alimentavam e ainda alimentam e
fazem crescer as riquezas e pobrezas do mundo, estas últimas em maior escala e
tudo isso ocorre em razão da corrupção generalizada que sempre foi o maior
estopim que sempre gerou e continuam gerando manifestações. Dados estatísticos
mostram a realidade, que nem merecem ser comentadas, mesmo porque, por si só,
eles são suficientemente eloqüentes para clamar por justiça e abalar os reais
fundamentos e a indiferença que campeia no mundo político. Esses homens
públicos nem constatam ou não interessam saber que a desnutrição dos famintos é
o desperdício e a indiferença dos saciados, e o que mais revolta e nos deixa
indignados, é sentir que a pobreza de uns, a miséria absoluta de outros nem
toca a sensibilidade dos abastados e dos poderosos que nada fazem para extirpar
as causas da pobreza no mundo e quando fazem é de forma abusiva, até riem da
situação do povo e nem corados ficam; usam desse subterfúgio para ludibriar a
pobreza com uma propaganda extemporânea que nada mais é do que crime eleitoral
e fazem de tudo para perpetuá-la, alicerçando todo o seu poder e sua
prosperidade na penúria e na expropriação da imensa maioria dos descamisados
com oferecimento de “Bolsas” de todo tipo e programas de casas mal construídas,
esquecendo que a pessoa humana quer apenas escola, transporte, saúde, segurança,
trabalho e serviços públicos dignos.
Tempos idos Olga
deixou este mundo desiludida e foi para outra dimensão, mas hoje vejo que a sua
luta não foi em vão. Parecia estar ali no meio daquela multidão, pois em cada
rosto via refletir o seu. Os novos “caras pintadas” que agora tomavam as ruas
das cidades e que antes protestavam somente contra tarifas de transporte, agora
ampliam o leque de reivindicações: combate a corrupção, contra a falta de
investimentos em segurança, melhoria na educação e saúde, e gastos com a Copa
do Mundo. Na pauta incluíram até a PEC 37 que retirava o poder de investigação
criminal do Ministério Público. São manifestações legítimas, embora muitas
tenham terminado com atos de vandalismo, mas, neste caso pouco importa, pois os
maiores vândalos são os políticos e governos corruptos, os improbo que se
apossam do dinheiro público e dão maus exemplos para essa juventude baderneiras.
A presidenta Dilma assustou com a situação, se pronunciou anunciando diversas
medidas, dentre as quais, a reforma política, e no Congresso Nacional, parlamentares
que desejavam acabar como o poder do MP, com medo de represálias, votou contra
a aprovação da PEC 37 e aprovaram mais recursos públicos para a saúde e a
educação. E não vai ficar só nisso aí, as manifestações assustaram e
continuarão assustando os três poderes da República. As manifestações foram incentivas para assustarem
os políticos e serão capazes de criar uma densa e ampla inquietação social em
todo o território nacional e entre os variados segmentos socioeconômicos se não
acabar de vez com essa doença chamada corrupção. Estas manifestações por si só já
representam inquietação social com o “sistema”, este reconhecido como um
conjunto de problemas que não serão resolvidos somente pelos atores políticos. O
eleitor também responsável, pois ele é que escolhe o governante.
Publicado no Diário da Manhã, edição do dia 3 de julho de 2013.
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