Adolescente, ele saía
equilibrando sobre os trilhos da estrada de ferro e às vezes, colocava o ouvido
sobre eles na esperança de escutar os passos de uma linda menina que morava
a poucos quilômetros dali. Outras vezes, escutava o barulho do trem e o seu
coração acelerava esperançoso de vê-la descer na única estação. Certo dia, num
vagão abandonado, usando um pequeno pincel, desenhou um coração sobre a lataria
enferrujada e dentro dele, escreveu seus nomes usando as cores rubras de um
coração-menino, mas já ferido pelo tempo e que, com o passar dos anos os nomes
lá impregnados, não resistiram às intempéries do tempo e se esvaíram como se
esvaiu a dor e saudade de eterna ausência dela. Nunca mais a viu. Ele era
um adolescente que enxergava o amor nas mínimas coisas e anotava tudo num
caderno recheado de frases poéticas, próprias de um sonhador. À medida
que ia andando sobre os trilhos, abria o peito para receber o vento que
enchia os pulmões de perfumes vindos das matas e das flores que se esparramavam
pela estrada de ferro afora.
Inquieto,
observava o movimento dos pássaros, sentia o sol queimar o rosto e o seu peito
nu, e ao entardecer, se deliciava quando o via o sol descer soberbo no
horizonte emitindo raios alaranjados. Sentia uma sensação inigualável,
inexplicável e algumas vezes, via o rosto angelical daquela menina-moça se
refletir por entre as folhagens das árvores floridas retalhadas pelos raios
solares naquelas encantadoras tardes de primavera. O seu sorriso era parte
integrante do cenário, que de tão perfeito, parecia onírico. Mas, naquele
tempo, ao caminhar pela “estrada da vida”, não soube escolher o caminho certo. Talvez,
enxergava certas coisas de uma forma, não como hoje, que calejado em face da
labuta cotidiana, passou a ver de outra, não porque tudo tenha mudado, mas
porque a sua forma de interpretá-la mudou.
A estrada
de sua vida se esticou assim como o tempo que passou sobre o seu rosto
deixando-o carcomido. A estrada que percorreu fez-lhe deixar para
trás muito choro sufocado e muita injustiça a ser vencida. Mas, seja qual for à
estrada, se de chão, asfaltada ou de ferro, nem sabia em que parte dela a dor
devia ser curada, apenas que ela o conduziria ao mesmo lugar e trafegar ou
equilibrar sobre ela era o que ele se questionava. Pode até passar
rapidamente ou devagar sobre ela, não importando a velocidade que imprimiria.
Podia até causar impactos, sentimentos vários nas pessoas ou em nós mesmos.
Podia encontrar durante sua caminhada dias nebulosos, ventanias, sol
extremamente quente, noites e dias frios, pedras, espinhos e até pessoas que
passavam por aquela mesma estrada, umas com semblantes rancorosos, outras
distraídas, venenosas, falsas, egoístas e outras cheias de amor, mas, todas
sabendo, que no final da “estrada” todos teriam o mesmo destino: rostos
carcomidos pelas intempéries do tempo, para não dizer que chegariam à velhice e
como final, a morte, para uns, o descanso eterno, para outros, é vida nova no
paraíso, mas, para aquele menino sonhador, era somente a certeza de ter
conseguido chegar ao fim da estrada ileso e sem pagar pedágios.
Tem dia
que caminhamos à beira da estrada e sentimos o vento levar nossos pensamentos
sem pedir licença. Tem dia que pegamos pétalas de rosas à sua beira e elas nada
exalam. Tem dia que vemos passar por ela marés de incertezas e não reagimos.
Tem dia que tentamos encontrar outra estrada e sonhar um sonho que almejamos
sonhar, mas não conseguimos. Tem dia na estrada que a noite é pesada demais
mesmo sem termos pesadelos. Tem dia que nos lembramos do passado sem
assombros, mas, tem dia que a vemos cheios de escombros. Tem dia que perdemos
alguém na “estrada” que muitas vezes não dávamos o devido o valor. Tem dia... Ah,
se tem!
Anos se passaram e hoje sentado à beira daquela
mesma estrada e com o pensamento absorto, ele percebera que o seu passado era a
estrada que percorrera durante toda a sua existência e este aspecto não devia
esquecer jamais, pois foi através desta caminhada longa, entre erros e acertos,
com realização profissional ou não, que chegou onde está ou encontrou a
felicidade de haver localizado ao longo dessa “estrada” o amor e realizar
alguns sonhos, muitas vezes pagando pesados pedágios, tributo que a vida
lhe impôs e às vezes o dificultou alcançar outros sonhos e objetivos antes
de chegar ao seu fim.
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