Sonhos de Nina, uma menina de rua.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014



Neste momento que escrevo a obscuridade em minha volta é interrompida pela luminosidade lunar que passa pelo vão da janela. A beleza estonteante da lua cheia ofusca os meus olhos e aí não resisto, abro as cortinas e debruço por instantes sobre ela.   Lá fora vejo uma fumaça em formato de cone sair de uma pequena chaminé de churrascaria, se esparramar no espaço e subir mansamente deixando o céu um pouco acinzentado. Olho aquela cena e como por encanto vejo um  rosto surgir e se refletir detrás daquelas aspirais de fumaça auxiliada pelos fachos de luz que iluminava aquela rua. Perecia o rosto de Nina, uma menina de rua, nascida de uma família desajustada, que se sucumbiu ao famigerado crack jogando para “o espaço” seus sonhos e a própria dignidade. Fiquei estupefato com aquela aparição porque sabia que ela, há poucos dias, tinha morrido de overdose por uso excessivo de drogas. Seu rosto angelical e sorriso melancólico pareciam querer dizer alguma coisa, um pedido de socorro talvez, mas, em segundos, foram  sufragados por almas sublimadas de outra dimensão, enquanto seus cabelos, desordenados, ainda se debatiam diante da pequena brisa local. Sua insistente imagem  ia e voltava num piscar de olhos, ofuscada pela   fumaça que se estendia pelo espaço afora. De repente, uma nuvem negra cortou o céu, aquietou-se debaixo da lua e tudo se tornou um breu fazendo sua imagem esvair-se no espaço. Atônito, procurei-a por entre as árvores e prédios e não mais a vi.

Olhei rumo ao horizonte e agucei ao máximo a janela de minha alma para tentar recuperar aquela imagem. Imaginei-me voando usando as asas da imaginação para alcançar o infinito e foi um voo livre, sem medo, onde podia me distanciar da terra e alimentar os meus sonhos e os dela em outras dimensões. E no céu da imaginação buscar o amanhã que pode até ser um sonho de ontem e hoje, ser apenas uma fantasia de quem, antes de se viciar em drogas, sonhava ser uma Regina Duarte, uma Glória Pires, uma Maitê Proença; viver intensamente e agitar-se ao vento, voar e encontrar no infinito o amor e a paz, se é que existe. Assim, deixo a janela sabendo que terei uma longa noite sem um texto plausível, enquanto sobem as cortinas do tempo   mostrando um novo mundo que desce pelos desfiladeiros da insensatez. Sentindo-me incapaz, me deixo dominar pelas asas da imaginação que levam  junto comigo, como poeira ao vento, os  meus   desejos e   esperanças, onde, a cada dia, faço um ensaio dramático para uma última encenação no teatro da vida, para quem sabe, do outro lado do mundo, alguém possa entender  o porquê da morte prematura daquela menina de rua e de outro lado, conhecer minhas angústias e lamentações.

Empilhada em cantos escuros de minha alma, a soberba reflexão incorreta sobre quem sou, hão de entender possivelmente, pois, minhas abstrações se limitam a nada definir com profundidade, no entanto, como ela, eu e você, sabemos que amanhã tudo voltará à velha rotina: morte e vida; encontros e desencontros, tempestades e calmarias; lua e sol. Vozes sussurrando palavras doces e mentirosas impregnando nossos ouvidos desacostumados com a realidade e padrões duros impostos por uma sociedade consumista. Nesse vetor, o tempo dita suas regras que são acopladas pelos pólos magnéticos que se chocam em um espaço sem gravidade.
 

Por fim, deixo de dedilhar o teclado do meu computador e vou embora para ficar fora do campo daquela visão que me angustiou. Optei por voar nas asas da imaginação para resguardar apenas o que restou daquelas lembranças, como o seu sorriso angelical, sua foto numa página de jornal, onde contava sua história, suas palavras soltas no ar, a sua ausência e a sua imagem refletida por detrás das aspirais de fumaça que, doravante, só me resta cristalizá-la em minha retina.

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