Não havia
melhor época para Torquato Neto do que a comemoração da Festa de Santo Reis na
pacata cidade de Cabribó. Não havia mesmo! Era tudo bonito, um momento mágico
em sua vida de menino nascido na roça. Violas, violões, sanfonas, triângulo,
reco-reco, tambor e aquelas pessoas tocando e cantando com maestria e com uma
alegria surpreendente. Uniformizados, usando vestimentas coloridas saíam de
casa em casa ou de fazenda em fazenda saudando os moradores locais, que
recebiam os foliões com um saboroso café, sucos, doces, salgados, guloseimas
para todos os gostos.
Ele amava, curtia demais essa festa. Os homens tocadores
e cantores entoavam várias músicas saudando o Divino Espírito Santo, alguns
eram magrinhos, de vozes finas que tentavam passar por tenores. Era e é o
espírito de uma Folia de Reis. Arrepiava-se diante da cantoria – e isso tinha
tudo a ver com ele, pois era um jovem sonhador. É compreensível que haja
pessoas que não gostem de folia, da mesma forma que espero que o compreendam
quando diziam odiar o gênero musical funk. Mas, no fim de contas, ninguém percebia
porque não gostava e nem gosta de funk, aquietava-se no seu canto e não
criticava e nem resmungava. Não percebia patavina de quem não gostava de Folia,
talvez porque ele passasse despercebido ou se fizesse de cego ou surdo, diante
do mundo funqueiro.
Suponhamos, ou tentamos supor, que não gostar de
Folia tem sempre a ver com o significado de família, coisas do Divino Espírito
Santo, ou, as memórias de um tempo passado mais frio que o inverno – esse
inverno da memória. Porém, sempre que pensava em Folia pensava em coisas boas,
cantorias saudando a vinda dos Reis Magos à manjedoura, onde nasceu o menino
Jesus sinto. Lembrava-se de quando criança. Há alguma coisa melhor do que isso?
Do cheiro da canela, da broa, dos biscoitos fritos e pão de queijo, expostos
sobre a mesa forrada por um pano estupidamente branco. Debaixo do pé de manga
ou do jequitibá, plantados frente ao casão que amenizavam o calor, e, acima de
tudo, do amor que pairava no ar que se misturavam com as cantigas e sons
inebriantes do violão e da viola que a todos consolavam, ele sonhava.
Hoje eu me
lembro do Torquato, que se tornou meu personagem em várias crônicas e volto a
pensar nas vozes estridentes daqueles foliões que cortavam as verdejantes
campinas e azevinhas, das alegrias de cada um, dos sorrisos de surpresa de quem nunca
tinham assistido aquelas cantorias, cujas cenas se perpetuam até hoje e muitas são
postadas em cartões postais. Como ele, eu também gostava ficar na varanda e me
sentar no piso feito de tábuas, ou deleitar-me à sombra de uma árvore e
observar os retalhos de luz da lua que passavam por entre os galhos,
confrontando com os piscas-piscas de cores rápidas e frenéticas dos vaga-lumes.
Gostava de esvaziar a mente e ficar ali absorvendo tudo e por nada. É como querer
ficar perdido, sem ficar, ou encontrar-se perdido sem interesse de ser
procurado.
Um dia destes, agora
como participante ativo de uma Folia de Reis – a de Malhador, oriunda da cidade
de Pirinópolis, dirigida pelo doutor Juarez Antônio de Souza, lembrei-me
novamente de Torquato e aí, procurei participar mais ativamente, me posicionar
melhor e observar esse mundo mágico da Folia de Reis e até fui porta-bandeira
bandeira no afã de seguir à frente dos foliões, com o mastro erguido na
esperança de perceberem a quem ela se destinava. Fiéis vindos de todas as
regiões beijavam-na, enquanto outros faziam o sinal da cruz, e ainda com a
paciência de ver, na última cantoria, alguém sorrir e me achar criança. A
felicidade talvez faça a gente realmente voltar a ser criança ou então voltar
atrás no tempo, no tempo que eu e Torquato éramos crianças. Tem razão – deve
ser por isso que a Folia de Reis ainda me é assim tão especial e que seja assim
hoje, como foi ontem, e ela me faça realmente, este ano e no ano seguinte, voltar
a ser criança.
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