O triste fim de Ítalo Pezão.

sábado, 3 de setembro de 2011

Olhei rumo à janela e vi penetrar por entre o vão resquícios de luz do sol que    penetravam  entre  as frestas das cortinas  despedindo-se do quarto frio. Algo   inesperado aconteceu e deixou-me estupefato. Uma coisa surreal. Foi como se eu estivesse vivenciando o aparecimento de uma força invisível, talvez almas penadas vindas de outra dimensão, incompreensíveis à sensibilidade humana, que se aproximaram como que querendo demarcar num espaço mórbido de um beco uma peça teatral, onde entre utópicos e poesias cheias de falta de amor alguém  tentava encenar naquele palco imundo  o  seu último ato e o jovem Ítalo, um menino de rua que todos chamavam de Pezão,  era o personagem principal.

Olho fixo, semblante preocupado comecei a analisar a situações que ele deve ter passado durante os seus minguados anos de vida, dos maus tratos recebidos durante sua existência e pelas implacáveis intempéries do tempo que lhe deixou marcas profundas no rosto. Jovem, inteligente, que em razão de decepções amorosas sofridas deixou a Universidade e se enveredou pelo mundo profano.  Tornou-se dependente químico e andava pelas ruas, maltrapilho, calça caída sobre a bunda. Corpo franzino corroído pelo uso de drogas e da cola que cheirava para enganar a fome e que, em certos momentos, na falta dela, alimentava-se apenas da ilusão dos desejos mal contidos, que lhe trazia a dor e decepções sofridas no dia-a-dia. Os conselhos e esforços empreendidos pelos familiares e amigos não o sensibilizava mais. As drogas e as más companhias eram mais fortes e o fazia seguir o caminho do mal. O seu semblante, quando recebia migalhas de pão e pequenos afagos de transeuntes tornava-se angelical e até abria o seu coração para falar dos pequenos sonhos e daquilo que almejava conquistar, mas a droga sempre o tirava do caminho da retidão e o desviava para um caminho sem volta.

Quantas ruas e becos ele percorreu para se saciar-se da cocaína e do crack.  Saber que pessoas não paravam para escutar  os seus apelos e que, levadas pelos ventos da insolência sequer se solidarizavam, e outras, viravam as costas e sequer lhe estendiam as mãos.  Mesmo assim, dotado de uma força incomum e equilíbrio no trato com as pessoas não esmorecia, e deitado debaixo das marquises, tentava, ante ao seu infortúnio, procurar entender o porquê quando as pessoas passavam pela calçada parecerem perdidas, e ao querer se aproximar dele, ficavam sempre com medo de encará-lo. Se aproximasse e ouvissem saberiam o que ele fazia para sobreviver às noites sombrias e à solidão. Com o pensamento absorto e olhos tristes voltados para um ponto qualquer do quarto, lembrei-me do último suspiro do jovem Pezão, como era chamado pelos outros meninos de rua. De repente uma espécie de gelo revirou o meu ser e os meus pensamentos tentaram se aflorar na região recôndita de meu cérebro no afã de me tornar um testemunho do amor que ele, antes de se drogar, dedicou à família, e por outro lado, tentar entender o motivo de sua peregrinação pelo mundo das drogas, pois possuía boas condições financeiras e tinha um mundo brilhante à sua volta. Hoje, ao dedilhar o teclado do computador e embasado numa análise fria constatei que enquanto alguns meninos enrijeceram a musculatura do coração com o temor travado de emoções impacientes, outros, como o Ítalo, sequer aceitaram enxergar a nobreza dos laços verdadeiros que jamais iria desfazer-se diante dele que, antes de se drogar, procurou  caminhar com dignidade pela estrada da vida e que de modo algum merecia estar ali,  inerte, abandonado pela família e pela sociedade. Naquele beco poeirento e frio, com o corpo estirado sobre o chão, talvez com o pensamento voltado para sua amada Natália, emitiu o último suspiro e expirou.

VANDERLAN DOMINGOS DE SOUZA é advogado, escritor, ambientalista.   Presidente da ONG Visão Ambiental e diretor da UBE - União Brasileira dos Escritores. Escreve todas as quartas-feiras. Email: vdelon@hotmail.com e vanderlan.48@gmail.com

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