O menino, o machado e a motoserra.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Detrás daquela densa neblina o pai viu seu filho com pouco mais de  dezesseis anos, pegar o ônibus que todos chamavam de “Jardineira” deixar a pequena cidade de Brogodó em busca de estudos e de um mundo melhor na  Capital. Pela estrada de chão, esburacada, o veículo deixava para trás uma poeira fina que se esparramava pelo espaço com o auxílio do vento, apagando imagens do passado, como se nela estivesse impregnada a borracha do tempo. Sacudido pela trepidação ainda assim o menino sonhava. Noutras jardineiras, em outros rincões, talvez, outros meninos: o Antonio, o Leandro, o Marcos, o Elifas, o Carlos, o José e tantos outros,  também sonhavam com um mundo melhor. Pela fresta da janela passava o vento e ele sentia sua mente contabilizar os quilômetros emplacados estrada afora, e de forma sublime, seus olhos       contemplarem a natureza exuberante, cujos vales, serras, rios e matas iam passando vagarosamente à medida que o ônibus seguia rumo ao seu destino.

Alan parecia assistir a um filme velho, cujos atos já tinham sido encenados por outros meninos no teatro da vida, e em cujo palco, podia atropelar os mais sensíveis seres e fazê-los vagar em   memórias nostálgicas, cortadas apenas pelas sensações advindas do pôr-do-sol que tem o poder de trazer à mente o desejo de mergulhar novamente nas águas passadas com o fito de esquecer o próprio presente. Aquele machado manuseado pelo seu pai causava-lhe espanto. A árvore que plantara no fundo do quintal, com suas folhagens verdes, onde se recolhia à sua sombra para se    proteger do sol escaldante, fora cortada sem piedade para tornar-se mais uma num amontoado de carvão de lenha. Infelizmente, em todas as épocas são assim. O ser humano sempre depredou a    natureza com suas foices e machado até chegar à modernidade, a qual, com a industrialização da     motoserra e tratores com suas imensas e grossas correntes,  hoje arrasam florestas, destroem tudo em poucos minutos. Minutos que deixam todos estupefatos e sobre a relva, apenas galhos ressequidos acompanhados do silêncio de morte que se dissipa com o uivo enganador do vento.

Quantas vezes o menino prosternou-se por terra à sombra de uma mangueira dormiu e sonhou. Um sonho ingênuo de menino, mas, pelos menos, naqueles minutos, sentia-se reconfortado e acalentado pelo afago do vento que acariciava seu rosto. Mesmo no mundo dos sonhos muitas vezes não teve condições de ser feliz, pois se sentia perturbado pelo barulho ensurdecedor de um machado e depois com o zunido de uma motoserra. Quantas vezes ele sonhou alçando voos mesmo sem ter asas para voar e proteger a jabuticabeira, a mangueira, o abacateiro e árvore que plantara no fundo do quintal, cheia de ninhos e pássaros. Ainda bem que o cérebro de seu pai era diminuto, pois demorava meses para encontrar o machado e não sabia manusear com perfeição a motoserra.

Certo dia, bem cedo, como de costume, começou a derrubar o abacateiro. Levou mais de cinco dias, porque não estava habituado a manejar machados, as suas mãos calejaram, sangraram. Adquirida a prática, limpou o quintal e descansou aliviado.  Ainda insatisfeito, saiu de machado em punho para o pasto. Onde encontrava árvore, matos, atacava e juntava os galhos, deixando-os em monte de lenhas para depois produzir o carvão.
O homem do machado descobriu que podia ganhar a vida e aumentar o seu patrimônio.     Comprou uma motoserra. Onde precisassem derrubar árvores, ele era chamado. Ficou famoso na região. Ganhou muito dinheiro. Importou tratores e comprou  imensas correntes e as árvores agora era derrubada em montão. Não ficava nenhuma em pé. E onde encontrasse uma mata, lá estava o  depredador com o machado e a motoserra, já aposentados, enquanto o trator com suas imensas e grossas correntes ia arrastando tudo que se encontrava pela frente.
O tempo passou. A região devastada se transformara num deserto, o córrego secou, a terra   calcinada, improdutiva. E então, o prefeito para remediar, mandou buscar pessoas especializadas para tornar as terras desérticas novamente em terras férteis. Um órgão governamental determinou o replantio de árvores. E enquanto as árvores plantadas cresciam o depredador já tinha perdido toda a sua fortuna, e o seu filho, engenheiro florestal e ambientalista, fazia parte da equipe enviada pelo governo. VANDERLAN

DOMINGOS DE SOUZA é advogado, escritor, ambientalista. É Presi-dente da Visão Ambiental e diretor da UBE - União Brasileira dos Escritores. Escreve todas as quartas-feiras. Email: vdelon@hotmail.com e vanderlan.48@gmail.com

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