O silêncio do Monjolo

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Peço licença ao leitor desta vez para entrar na parte mais íntima do ser humano: a alma. Abro o computador e vou digitando um amontoado de letras, imbuído do   desiderato de quando elas se ajuntarem, poder adentrar em seus olhos e chegar à região recôndita do cérebro, tocar-lhe os mais puros sentimentos com mais uma  história, de uma coisa que marca o tempo na água, que entoa com os cânticos dos pássaros,  com os latidos de cães, com o bramido de outros animais silvestres, os gemidos dos bezerros que mamam com sofreguidão que, acompanhados de um som suave de água cristalina que outrora descia célere sobre uma calha e caia sobre um  cocho, fazendo-o curvar-se com o peso da água e elevar a sua haste: o monjolo.

Perto daquela árvore milenar passava um rego cheio de água límpida que há anos resistia às intempéries do tempo. Eu era um adolescente que enxergava o amor nas mínimas coisas e anotava tudo num caderno repleto de frases poéticas, próprias de um sonhador.  À medida que o monjolo captava a água através do pequeno cocho, abria o peito, escutava as batidas compassadas dele, sentia o vento desarrumar os meus cabelos e  movimentar as folhas das árvores. O sol queimava meu o rosto e o peito nu, mas, mesmo assim, me deliciava ao vê-lo descer suave no horizonte longínquo, assim também como a lua, que antes de aparecer ensaiava uma subida triunfal, saindo soberba detrás dos montes com seus raios multicoloridos. Sentia uma sensação inigualável, inexplicável e algumas vezes, me revigorava ao ver o rosto angelical daquela menina-moça se refletir por entre as folhagens das árvores floridas retalhadas pelos raios solares nas encantadoras manhãs de primavera. O seu sorriso e o som emitido pelo vai-vem do monjolo, me inebriavam  e integravam aquele cenário bucólico, que de tão perfeito, parecia onírico. Mas, ao recordar desses tempos idos e relembrando as caminhadas pela “estrada” da vida, passei a enxergar certas coisas de uma forma, mas, hoje, calejado em face da labuta cotidiana, vejo de outra, não porque tudo tenha mudado, mas sim porque a minha forma de interpretá-las mudou. Percebi que durante a infância e a adolescência tinha sonhos, agora adulto, passei a ter objetivos e viver outra realidade. 
 A “estrada” da vida se esticou assim como o tempo que passou sobre os nossos corpos corroendo-os sem dó.  Deixamos para trás muito choro sufocado e muita injustiça para ser vencida. Mas, seja qual for à estrada e em que parte dela a dor deve ser curada, sabemos que ela nos conduzirá ao mesmo lugar e trafegar sobre ela é o que se questiona. Podemos até passar rapidamente ou devagar sobre ela, não importando a   velocidade que   imprimimos. Podemos causar impactos, sentimentos vários nas pessoas ou em nós mesmos. Podemos encontrar durante nossa caminhada dias nebulosos, ventanias, sol extremamente quente, noite e dias frios, pedras, espinhos e até pessoas que passam por esta mesma estrada, umas com semblantes rancorosos, outras distraídas, falsas, vaidosas, ciumentas, egoístas e outras cheias de amor, mas, todas     sabendo, que no final da “estrada” da vida teremos o mesmo destino: rostos carcomidos pelas intempéries do tempo, para não dizer que chegamos à velhice e como final, a morte, para uns, o descanso eterno, para     outros, é vida nova no paraíso.
E pensar que ainda hoje, em pleno terceiro milênio, possamos encontrar o monjolo, silencioso, apodrecendo-se num barro fétido, porque o rego de água secou em face da insensatez humana; ouvimos o cântico   enlutados dos pássaros  nos galhos ressequidos; vemos florestas devastadas, rios poluídos  e campos arenosos e  depois,  lembrar quanto pilões que socavam  milhos, arroz, café e amendoim se sucumbiram ao  tempo, marginalizados, esquecidos...  – quantas famílias sobreviveram do trabalho gratuito do monjolo e que hoje perambulam pelos campos à mercê da fome, do frio e da doença, por mero descaso daqueles que, por corrupção, egoísmo, desumanidade, fome de poder, enfim, por ausência absoluta de Deus em seus corações, geram e massacram esse povo trabalhador, deixando-os silenciosos como aconteceu com os “monjolos da vida”. . .

VANDERLAN DOMINGOS DE  SOUZA é advogado, escritor, ambientalista. Presidente da ONG Visão Ambiental e diretor da UBE - União Brasileira dos Escritores. Email: vdelon@hotmail.com e vanderlan.48@gmail.com

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